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terça-feira, 4 de julho de 2017

Um Czar em Guerra - A Guerra Russo-Turca de 1877-78

Alexandre II
A 23 de Dezembro de 1877, Alexandre II entrou triunfalmente em São Petersburgo. Após vários meses de derrotas e desilusões, os seus exércitos conseguiram derrotar os turcos na Bulgária e na Arménia e pareciam estar mais perto do que nunca de conseguir cumprir o sonho de dar liberdade a todos os povos cristãos dos Balcãs e, talvez até o sonho ainda mais antigo de expandir a influência russa até Constantinopla. A família imperial e os oficiais mais importantes da corte e do governo deram-lhe as boas vindas na praça ao largo da Estação de Nicolau e as ruas estavam cheias com milhares de pessoas que o aplaudiam e se juntavam às comemorações. Chamavam-lhe "Duas Vezes Libertador", primeiro dos servos e, agora, dos Balcãs, e, em alguns momentos, a sua carruagem quase não conseguia avançar devido ao entusiasmo da multidão. Poucos dos que estavam presentes conseguiram chegar perto o suficiente para ver o efeito que a guerra tinha tido no "Czar Libertador", mas uma testemunha reparou com horror que "os seus músculos estavam relaxados, os seus olhos apáticos, a sua figura desleixada, todo o seu corpo tão magro que parecia não ter carne nos ossos. Tinham bastado alguns meses para ele envelhecer completamente". Assim que as comemorações oficiais terminaram, Alexandre escondeu-se no único lugar no mundo onde se sentia à vontade: a cada no Cais Inglês que tinha alugado em 1874 para a sua amante Catarina.

Alexandre II (sentado) com o príncipe Suvorov, o príncipe Carlos da Roménia e o grão-duque Nicolau Nikolaevich na vila de Pordim na Bulgária em 1877
Tinham passado três anos desde que a repressão exercida pelos turcos sobre os Balcãs tinha começado a alarmar os governos europeus. Um motim em Nevesinye, perto de Mostar, na Herzogovina, foi reprimido com grande crueldade. A instabilidade começava também a espalhar-se pela Sérvia e pela Bulgária, e as histórias sobre as atrocidades cometidas pelos turcos multiplicavam-se. Era difícil ignorar o que estava a acontecer, mas as grandes potências tinham os seus próprios planos contraditórios para os Balcãs e não parecia provável que fossem agir em conjunto. A Áustria queria aumentar o seu próprio império, ao mesmo tempo que a Grã-Bretanha queria proteger o seu status quo e evitar o risco de aumentar a influência russa na região. Já há vários anos que os pan-eslavistas russos tentavam fortalecer os laços dos Balcãs com a Igreja Ortodoxa e alguns intelectuais russos defendiam que deveria haver uma guerra de libertação na região.


Quadro a representar o Massacre de Batak, na Bulgária, um dos acontecimentos que levaria mais tarde ao rebentar da Guerra Russo-Turca de 1877-78
Em Janeiro de 1876, as grandes potências enviaram um protesto oficial à Turquia, que não teve qualquer efeito. Milhares de voluntários russos viajaram para sul e surgiu até o falso rumor de que um dos filhos do czar, o grão-duque Vladimir Alexandrovich, tinha oferecido os seus serviços ao príncipe da Sérvia. À medida que a crise se aprofundava e o movimento a favor da guerra ganhava expressão na Rússia, Alexandre II viajou por toda a Europa para defender a paz. Falou com o seu tio, o kaiser Guilherme I da Alemanha e com Bismark, o chanceler da Alemanha, e apelou também à ajuda da rainha Vitória através da sua filha Alice, que contou à mãe que o czar falou na necessidade de preservar a paz com lágrimas dos olhos. Depois, Alexandre tentou convocar uma conferência europeia. Em Julho, os turcos massacraram os habitantes de Batak, na Belgária, depois de estes terem prometido livre passagem em troca da sua rendição. A luta intensificou-se e Alexandre foi para casa.
Alexandre II
O czar não estava com vontade de entrar em guerra. Tinha testemunhado os danos que o conflito na Crimeia tinha causado no seu país e sabia que a Rússia não estava em condições de enfrentar outra guerra. As reformas que ele tinha tentado levar a cabo nas forças armadas ainda não tinham tido tempo de surtir efeito, mas dentro do país, a vontade de ir para a guerra era tal que ninguém queria dar ouvidos ao czar. Apesar de tal estar banido oficialmente, realizam-se apelos e recrutamentos para a guerra nos Balcãs por todo o império e até a própria família do czar estava profundamente empenhada na causa. Quando chegou a casa, Alexandre encontrou Maria Alexandrovna a financiar e equipar comboios hospitalares, incentivada pelo seu confessor, o padre Bajanov. A czarina estava firme no seu entusiasmo pela guerra e, após vários anos a trabalharem juntos, Alexandre e a sua esposa viram-se em lados opostos. Os seus irmãos e filhos também estavam ansiosos por se juntarem à luta e o czarevich Alexandre estava a dar permissão aos soldados do seu regimento para se juntarem para a guerra nos Balcãs. Os governos europeus não acreditavam que o governante autocrático de todas as Rússias tivesse tão pouco controlo e duvidavam da sinceridade dele. O stress desta época fez com que o asma de que Alexandre sofrera toda a vida piorasse e sentia-se magoado com os ataques de que era alvo na imprensa internacional. Colocou toda a sua esperança numa conferência de paz que estava planeada para Dezembro, mas Lord Beaconsfield, o primeiro-ministro britânico, piorou a atmosfera com um discurso sobre a inviolabilidade das possessões turcas que causou grande indignação na Rússia. Havia o perigo muito real de que, caso Alexandre não levasse o seu país para a guerra, o país iria para guerra sem ele, por isso, mesmo perante as acusações de duplicidade vindas do estrangeiro, Alexandre ordenou uma mobilização parcial.

Maria Alexandrovna
Em Março de 1877, as Grandes Potências ordenaram que a Turquia reduzisse a força dos seus exércitos e que prometesse reformas. A Turquia recusou. Alexandre partiu do Palácio de Inverno e caminhou sozinho até à Catedral de Kazan para rezar. A sua decisão estava tomada: a 12 de Abril, a Rússia declarou guerra à Turquia e, entre cenas de júbilo generalizado, as tropas receberam ordens para marchar para sul. Alexandre seguiu com elas, apesar de ter entregue o comando supremo dos exércitos ao seu irmão, o grão-duque Nicolau Nikolaevich. O seu irmão mais novo, o grão-duque Miguel Nikolaevich, que comandava o exército do Cáucaso, iria abrir uma segunda frente de combate a ocidente do Mar Negro. Houve apenas uma pessoa que apoiou o czar sem rodeios: Alexandre escreveu a Catarina "compreendes melhor do que ninguém aquilo que sinto no começo de uma guerra que queria e esperava tanto evitar (...) É um pesadelo". O discurso que fez ao exército foi igualmente fatalista e honesto: "lamento profundamente ter de vos enviar nesta missão. Como devem saber, tentei continuamente evitá-la até a última réstia de esperança ter desaparecido. Agora, só posso desejar-vos sucesso".

Alexandre II
As chuvas fortes impediram a marcha do exército pelos planaltos da Valáquia e aumentaram de tal forma o caudal do rio Danúbio, a fronteira entre a Roménia e a Bulgária, que foi impossível passá-lo durante várias semanas. Alexandre viajou para sul com os seus filhos, Alexandre, Vladimir e Sérgio. O seu quarto filho, Alexei, estava a comandar uma companhia naval no Danúbio e os seus sobrinhos Nicolau Nikolaevich Júnior, que se tornaria comandante supremo dos exércitos russos em 1914, e Sérgio de Leuchtenberg também estavam a combater no exército russo. Outro sobrinho, o príncipe Alexandre de Battenberg, tinha recebido permissão especial para deixar o seu regimento em Berlim e juntar-se ao pessoal do czar. Recebeu a Cruz de Vladimir pelo papel que desempenhou na passagem do rio Danúbio, que foi conseguida a 27 de Junho com grande custo. A czarina tinha oferecido cinco comboios-hospital luxuosos com 600 camas, mas, nos primeiros dias da guerra, registaram-se milhares de mortes e feridos todos os dias que tinham se ser retirados do campo de batalha em carrinhos de mão, nas carroças das armas ou em carros de bois.

Caravanas de transporte de feridos russos durante a Guerra Russo-Turca
Alexandre escolheu como quartel-general a cidade de Sysov, na Bulgária, ao mesmo tempo que os engenheiros russos se apressavam por construir pontes permanentes ao longo do rio. O czarevich recebeu o comando do XII e XIII Corpos do exército, com ordens para aguentar uma linha de oitenta quilómetros ao longo do rio Lom, para proteger o flanco esquerdo do exército e ameaçar as forças turcas em Rustchuk, Shumla, Varna e Silistra. O futuro czar Alexandre III não era nenhum génio militar, mas segurou a sua posição com grande coragem contra um exército muito mais forte e ganhou um horror à guerra que iria durar o resto da sua vida. Todos os dias, escrevia cartas à sua esposa, Maria Feodorovna, que estava ocupada com trabalho caritativo em São Petersburgo para ajudar as famílias dos soldados feridos. Chegou mesmo a correr o rumor na cidade que a futura czarina se disfarçou de enfermeira para ir visitar o marido à frente de batalha.

O futuro czar Alexandre III e a sua esposa Maria Feodorovna
O czar também escrevia cartas todos os dias, mas não para a esposa. A czarina Maria Alexandrovna apoiava a guerra de tal forma que Alexandre sentia que não podia ser sincero com ela e guardava apenas para a sua amante Catarina os seus verdadeiros sentimentos sobre o que estava a acontecer e a sua ansiedade perante a atitude demonstrada pelas potências estrangeiras, principalmente por parte da Grã-Bretanha. Sentia-se humilhado por a sua saúde não lhe permitir lutar e trabalhava durante várias horas por dia, gastas principalmente em visitas aos hospitais de campanha para ver os soldados feridos. Sofria de insónimas e a sua asma piorou. O Dr. Botkin pediu-lhe que regressasse para norte, mas ele recusou.

Alexandre II
Inicialmente, o exército teve êxito, capturando as cidades de Tyvorno e Plevna, no entanto, a pressão da guerra não demorou a revelar fraquezas graves no alto comando. Depois de ter consigo atravessar para a Bulgária de forma épica através da passagem de Khainkioy e de ter conquistado Shipka com sucesso, a divisão do general Hourko foi obrigada a bater em retirada porque ninguém lhes enviou reforços. Tyvorno tinha grande importância simbólica, uma vez que era a antiga capital da Bulgária, mas os comandantes russos não conseguiram compreender a importância estratégica de Plevna, que ficava num cruzamento vital. Deixada sem uma defesa eficaz, a cidade voltou a cair em mãos turcas pouco tempo depois, e, após uma série de reviravoltas, Alexandre teve de mudar o seu quartel-general para Gorny Studen, a oeste de Tyvorno.

Tropas russas a marchar perante o czar Alexandre II e o grão-duque Nicolau Nikolaevich em Ploesti, 30 de Junho de 1877
No calor insuportável do verão, com mantimentos inadequados e, muitas vezes, inexistentes, Alexandre continuou a trabalhar sem parar. Um velho opositor das suas políticas, o príncipe Cherkassky, visitou Gorny Studen em Julho na categoria de comandante da Cruz Vermelha Russa, que tinha sido criada recentemente pela czarina Maria Alexandrovna, e ficou preocupado com a incompetência do pessoal, mas deixou muitos elogios a Alexandre: "neste vortéx", escreveu ele, "não posso deixar de admirar o imperador, que mantém a calma, apesar da sua agonia mental profunda. É a única pessoa por aqui que parece capaz de avaliar o que está mesmo a acontecer. Quando o vemos, cansado e doente como está, a visitar hospitais, a querer saber sobre os interesses e as necessidades dos homens, a comportar-se com a dignidade de um soberano e a compaixão de um amigo (...) é impossível não o amar como um homem."

Médicos e enfermeiros da Cruz Vermelha Russa num hospital de campo durante a Guerra Russo-Turca
Apercebendo-se tarde demais de que precisavam de Plevna, os russos tentaram voltar a conquistar a cidade, mas o primeiro assalto, realizado a 20 de Julho, resultou em milhares de vítimas. Os atacantes estavam em menor número numa proporção de 3 para 1 e, se os turcos tivessem continuado a sua retirada atá ao fim, as esperanças da Rússia poderiam ter acabado nesse mesmo dia. Dez dias depois, tentaram um segundo assalto que também falhou. Gorny Studen já não estava a salvo e o quartel-general de Alexandre teve de ser deslocado novamente. Os seus filhos pediram-lhe em vão que deixasse a Bulgária. A leste, o exército do grão-duque Miguel Nikolaevich foi dizimado pelos turcos em Kizil Tépé: era quase impossível que a moral esteve mais baixa e Alexandre foi obrigado a pedir ajuda ao príncipe Carlos da Roménia, que contribuiu com um exército de 50.000 homens e 180 armas. O czar também voltou a chamar o general Totleben, que tinha ganho fama graças à defesa de Sevastopol durante a Guerra da Crimeia. Em inícios de Setembro, foi levado a cabo um terceiro assalto a Plevna que também falhou e resultou na morte de 25.000 pessoas. Os romenos lutaram com grande bravura e firmeza, o que conquistou a admiração de todos, mas um oficial inglês deixou uma descrição do estado caótico em que se encontrava o exército russo: "a negligência e falta de organização (para os feridos) é assombrosa. Um dia, em Plevna, três mil soldados russos, feridos na cabeça, braços e peito, tiveram de marchar vinte milhas para a retaguarda, uma vez que só havia carros de bois para aqueles que não se aguentavam de pé!". "Deus nos ajude a acabar com esta guerra", escreveu Alexandre à sua amante Catarina, "desonra a Rússia e a Cristandade. É esta a angústia do meu coração e ninguém a compreende melhor do que tu, meu tesouro e minha vida".

A batalha em Plevna
Na Rússia, a moral também estava em baixo. As pessoas tinham imaginado uma guerra vitoriosa rápida, com muito brilho e glória e não estavam preparadas para o que estava a acontecer. Os grão-duques eram criticados, o czar foi acusado de cobardia por não participar nas batalhas e de negligência por não regressar a São Petersburgo - alguém tinha de arcar com as culpas de toda a miséria. Houve quem defendesse a criação de uma Assembleia Nacional e a actividade revolucionária era abundante. A 13 de Setembro, realizou-se um concílio de guerra no quartel-general. Temendo que, com a chegada do inverno, houve uma falha geral na entrega de mantimentos, o grão-duque Nicolau Nikolaevich era da opinião de que o exército devia bater em retirada pelo Danúbio até chegar à segurança da Roménia e os seus comandantes concordaram. Apenas Milutin, o ministro da guerra, se manifestou contra a ideia, afirmando que a Rússia não se podia dar ao luxo de abandonar uma posição que já tinha custado a vida a 60.000 pessoas: Plevna comandava a estrada para sul, por isso era necessário conquistar Plevna. Rompeu uma violenta discussão até que o czar se levantou. "Não haverá retirada, cavalheiros", afirmou e, depois, saiu da sala na companhia de Milutin e Totleben.

O grão-duque Nicolau Nikolaevich Sr.
Alexandre tinha assumido o controlo e os efeitos da sua decisão foram abrangentes. Totleben passou a comandar o cerco de Plevna e recusou-se a desperdiçar mais vidas num ataque frontal, decidindo, em vez disso, concentrar-se em cortar todas as vidas de fornecimento de mantimentos à cidade. Quando chegou o inverno, o Dr. Botkin voltou a pedir para Alexandre regressar a casa, uma vez que a sua asma, insónias e o stress da campanha tinham piorado consideravelmente. Alexandre contou a Catarina que "todas estas visões fazem sangrar o meu coração e é difícil para mim aguentar as lágrimas". No entanto, estava determinado a ficar até que Plevna caísse.

Alexandre II
 A 24 de Outubro, o seu sobrinho, o príncipe Sérgio de Leuchtenberg, morreu em combate. Sérgio pertencia ao XII Corpo do czarevich, que tinha recebido ordens para avançar na direcção de Basarbowa e Iovan-Tschiflik depois de pequenos grupos de combate terem conseguido fazer os turcos recuar nessa região. Em Basarbowa, os combates intensificaram-se: Sérgio estava a liderar um grupo de reconhecimento quando uma bala turca o atingiu na têmpora e o matou. Tinha vinte-e-seis anos de idade. Longe, em Berlim, a princesa-herdeira da Prússia lamentou a sua morte, apesar de acrescentar que o príncipe "era o mais rebelde que se pode imaginar". No entanto, quem o conhecia melhor tinha uma opinião mais gentil. Sérgio era um jovem culto e inteligente que tinha passado grandes períodos de tempo a viver na Itália. Doze anos antes, em Florença, tinha sido ele o maior conforto que o seu primo, o czarevich Nicolau, tinha tido quando estava a morrer, uma vez que Sérgio o confortava com descrições das maravilhas da cidade que conhecia tão bem. Uma amiga dele, a princesa Kurakin, tinha-se encontrado com ele na casa da irmã antes de ele partir para a frente de combate: "era um europeu ocidental de gema" recordou ela, "um artista, elegante e inteligente. Adorava a Itália, a casa das artes, a ciência e a cultura, mas disse-me que não tinha qualquer compaixão pelos búlgaros, sérvios e outros eslavos". A guerra tinha matado um dos seus poucos opositores.

O príncipe Sérgio de Leuchtenberg, filho da grã-duquesa Maria Nikolaevna e sobrinho do czar Alexandre II.
A primeira oportunidade surgiu a leste em Novembro, quando o general Loris Melikov, o chefe do pessoal do grão-duque Miguel Nikolaevich, conquistou a cidade de Kars. Plevna caiu a 10 de Dezembro, após algumas horas de combate, quando os turcos tentaram quebrar as linhas russas uma última vez. Alexandre esteve presente numa missa de acção de graças na cidade capturada antes de regressar a São Petersburgo, tal como tinha prometido. Chegou ás 10 da manhã do dia 23 de Dezembro e foi recebido por multidões em júbilo.

Depois da conquista de Plevna, a resistência turca esmoreceu. Ao mesmo tempo que Alexandre entrava em São Petersburgo, a divisão do general Hourko repetia a sua travessia dos Balcãs. Desta vez, conquistou Shipka e avançou na direcção de Sofia. Algumas semanas depois, o general Skobelev, cunhado do príncipe Eugénio de Leuchtenberg, irmão mais velho de Sérgio, conquistou Adrianpole sem disparar um único tiro e, em Fevereiro, foram assinadas as tréguas e começaram as negociações para um tratado de paz. O Tratado de San Stefano criou uma grande Bulgária autónoma - na verdade, autónoma só em nome, uma vez que, na verdade, se encontrava sob controlo russo - e deu a independência à Roménia, Sérvia e Montenegro, assim como o pagamento de indemnizações e território à Rússia. No entanto, as clausulas do tratado eram pouco generosas para o príncipe da Roménia, cujo exército tinha dado um apoio essencial quando a Rússia estava no seu ponto mais baixo.

Negociações do Tratado de San Stefano
As Grandes Potências ficaram alarmadas e decidiram que a Rússia não devia beneficiar tanto. Os países dos Balcãs também ficaram alarmados, uma vez que agora o caminho estava aberto para a cidade de Constantinopla. Alexandre considerou a hipótese de ordenar a conquista da cidade, mas depois esmoreceu. As suas tropas estavam a sofrer de tifo e já não havia dinheiro para pagar uma guerra prolongada. Os britânicos enviaram uma força naval para o Mar Negro para o desencorajar ainda mais. A princesa Maria de Battenberg descreveu a ansiedade que sentiu nas semanas que se seguiram, uma vez que o seu irmão Alexandre fazia parte do exército de Alexandre e um outro irmão, Luís, pertencia à Marinha Britânica e estava a bordo de um dos navios que tinha sido enviado para o Mar Negro.

As famílias reais de Battenberg e Hesse-Darmstadt em Osborn, Inglaterra. A princesa Maria de Battenberg encontra-se de pé, no extremo esquerdo da fotografia, ao lado do seu irmão, o príncipe Alexandre de Battenberg, depois príncipe da Bulgária. Na fotografia também se encontram os seus pais Alexandre e Júlia, os restantes irmãos (Henrique e Luís) e as suas respectivas famílias, incluindo a princesa Beatriz do Reino Unido, as princesas Irena, Alix e Vitória de Hesse-Darmstadt, o príncipe Ernesto Luís de Hesse-Darmstadt e o grão-duque Luís IV de Hesse-Darmstadt.
O czar não teve outra escolha senão voltar atrás, mas o seu país nunca conseguiu perdoá-lo. Os termos do Tratado de San Stefano foram alterados por um congresso internacional em Berlim, no qual as outras potências intervieram para ficarem com a sua parte dos despojos. Mesmo assim, a Rússia conseguiu libertar os Balcãs do domínio turco e estabelecer o novo estado da Bulgária. No aniversário de Alexandre II em 1879, o seu sobrinho, o príncipe Alexandre de Battenberg tornou-se no primeiro príncipe reinante da Bulgária.

Alexandre de Battenberg, sobrinho de Alexandre II e primeiro príncipe reinante da Bulgária.
No entanto, dentro da Rússia, as consequências da guerra foram tão más quanto o czar tinha previsto. Os termos do novo acordo foram muito mal recebidos, havia grande instabilidade e os grupos terroristas começaram a surgir a um ritmo nunca antes visto. Multiplicavam-se os assassinatos políticos e foram os heróis da guerra (Hourko, Totleben e Loris Melikov) que receberam a responsabilidade de controlar a situação. Incentivado por Loris Melikov e pelo grão-duque Constantino Nikolaevich, Alexandre deu início a um novo programa para levar a cabo uma reforma constitucional, a única forma que o governo via para acalmar os distúrbios a longo prazo. No entanto, em privado, Alexandre estava doente, desiludido e muito cansado. Agora, estava completamente dependente a nível emocional de Catarina Dolgorukaya e chocou profundamente a sua família, a corte e toda a Europa quando a convidou a ela e aos filhos a viver no Palácio de Inverno, para os poder ver com mais frequência enquanto a sua esposa definhava nos seus aposentos, que ficavam imediatamente abaixo dos da amante do marido e da família. Alexandre passaria o resto da sua vida a viver numa espécie de exílio, tanto em público como em privado.

Alexandre II com a sua amante, Catarina, e dois dos seus filhos.
No entanto, ninguém sabe ao certo qual era a opinião de Maria relativamente à amante do marido e à sua segunda família, depois de o segredo se tornar ainda mais exposto. Em Julho de 1878, Maria Alexandrovna sofreu uma crise grave na sua doença e parecia estar prestes a morrer, mas recebeu e ficou na companhia do marido, partilhando com ele as suas preocupações do dia-a-dia, como sempre tinha feito. A ideia de que o seu casamento só existia em nome depois do caso amoroso de Alexandre com Catarina não passa de um palpite, e a verdade podia ter sido bastante diferente. Vera Borovikova, a criada que cuidava dos filhos de Catarina, descreveu uma ocasião durante estes últimos anos da vida da imperatriz, quando Georgi e Catarina (filhos de Alexandre e Catarina) visitaram o Palácio de Inverno. O próprio czar levou-os até ao quarto da imperatriz e apresentou-lhes a sua esposa como "tia" Maria. Depois, a imperatriz abençoou as crianças e tanto ela como o marido ficaram em lágrimas.

Maria Alexandrovna
Há profundezas em todas as relações que o mundo exterior simplesmente não consegue compreender. Até ao fim, quando Maria estava prestes a morrer, Alexandre nunca se esqueceu de tudo o que os dois partilharam nem o que significavam um para o outro. Em Fevereiro de 1880, quando uma bomba terrorista destruiu a sala-de-jantar do Palácio de Inverno, onde Alexandre II estava prestes a jantar, num ataque que matou muitos soldados que se encontravam no andar de baixo, Maria tinha acabado de regressar de Cannes, naquela que provavelmente era a pior altura do ano para quem sofria de tuberculose. O primeiro impulso de Alexandre foi correr até ao quarto dela para garantir que ela estava bem. Quando a encontrou ainda a dormir, sentou-se do lado de fora da porta para que pudesse ser o primeiro a contar-lhe o que tinha acontecido e reconforta-la. Durante catorze anos, o czar Alexandre II tentou ser o marido de duas mulheres e o pai de duas famílias, sem magoar ninguém. Mas esse era um desafio demasiado exigente, até para um czar.

Alexandre II lamenta a morte da esposa Maria Alexandrovna numa gravura da época.

Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

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