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sexta-feira, 7 de julho de 2017

O Almirante General - Grão-Duque Constantino Nikolaevich - Primeira Parte

Grão-duque Constantino Nikolaevich da Rússia
A bomba no Palácio de Inverno foi apenas o início de muitas tentativas de assassinato e despertou os rumores mais inimagináveis. Murmurava-se em São Petersburgo que o grão-duque Constantino Nikolaevich estava a conspirar contra o trono do irmão e as más-línguas viam a sua mão em todos os atentados que eram feitos contra a vida de Alexandre. Nove anos mais novo do que o czar, Constantino conseguia ver apenas que havia a necessidade de fazer mudanças na Rússia, nunca pensava nas dificuldades, e incentivou o irmão com toda a confiança. Tinha uma forte veia de arrogância: a sua personalidade podia ser abrasiva e muitos desejavam a sua queda, mas, quando essa queda chegou, foi provocada pelo próprio Constantino e não pelos rumores. Deixou para trás uma família muito amada e unida que sempre foi leal à coroa... e uma ovelha muito negra.

O grão-duque Constantino Nikolaevich por Pyotr Fyodorovich Sokolov
"Podes imaginar a nossa alegria! Correu tudo muito bem e foi bastante rápido. Estou mais feliz do que eu mesmo consigo acreditar e agradeço a Deus com toda a minha alma". O czar Nicolau I adorava todos os seus filhos, mas, depois de nove anos a ter só filhas, ficou exultante quando a sua esposa deu à luz um segundo filho, em Setembro de 1827. O pequeno príncipe tinha apenas alguns meses de vida quando o seu pai o descreveu numa carta dirigida à sua tia, a grã-duquesa Ana Pavlovna, na Holanda, como "um rapaz grande, gordo e bonito, tão rápido e pesado que não consigo pegar nele: parece pertencer realmente à família, uma vez que a única coisa que ouve com prazer são os tambores". Quando tinha cinco anos de idade, Constantino tinha-se tornado demasiado obstinado e difícil para a sua governanta, por isso o seu pai decidiu contratar um tutor masculino. Foi o primeiro sinal da personalidade que iria tornar-se a sua característica menos atraente ao longo da sua vida.

Constantino com o seu pai, Nicolau I
O czar queria que, um dia, Constantino se torna-se almirante-general da Frota Russa, e escolheu um tutor com esse objectivo em mente. Frederick Lütke tinha circum-navegado o planeta aos vinte anos de idade e ensinou ao rapaz as ciências navais, enchendo-lhe a cabeça das suas histórias sobre a vida no mar. No hall do Palácio de Inverno, que na altura era uma espécie de sala de jogos para os filhos mais novos do czar, havia um navio feito à escala que era grande o suficiente para que os três rapazes subissem os mastros e aprendessem os fundamentos da navegação em terra firme. O jovem Constantino nunca se podia esquecer do seu destino e olhava ansiosamente para o futuro: "as horas do meu primeiro encontro com o rapaz passaram a correr," recordou Lütke, "com histórias sobre o Vesúvio, em Roma, e viagens marítimas. Senti imediatamente que a minha missão iria dar frutos."

Constantino Nikolaevich
No entanto, por muito ansioso que Constantino estivesse, o seu verdadeiro treino naval apenas iria começar aos doze anos de idade e, antes disso, o jovem grão-duque tinha de aprender outras coisas. Os seus pais e tutores criaram um programa de estudos muito menos académico do que o horário que Zhukovsky tinha criado para o czarevich. Só tinha três horas de aulas por dia e o resto do seu tempo era dedicado a caminhadas, exercícios e à música, uma vez que Constantino também aprendeu a tocar piano e violoncelo. Também começou a aprender francês e alemão, além de russo e inglês, que tinha começado a aprender ainda no berçário, e Constantino desenvolveu um grande gosto pela leitura. Lütke também estava decidido a ensinar o seu aluno aspectos sobre o mundo real que ficava além dos muros do palácio. Professor e aluno criaram uma amizade que iria durar o resto das suas vidas, mas, à medida que foi crescendo, Constantino passou a encontrar um ambiente mais estimulante a nível intelectual na casa da sua tia, a grã-duquesa Helena Pavlovna. Foi ela quem encorajou o seu gosto pela literatura e pela música, apresentando-lhe os melhores trabalhos que estavam a ser publicados na época. Também foi ela que lhe mostrou os mais recentes desenvolvimentos nas ciências e encorajou o idealismo político que iria caracterizar a sua vida.

Constantino Nikolaevich
Constantino vivia a alta velocidade. Antes de completar vinte-e-um anos de idade, ficou noivo da princesa Alexandra de Saxe-Altemburgo. Dizia-se que ela tão parecida com uma das irmãs de Constantino, a grã-duquesa Alexandra Nikolaevna, que tinha morrido alguns anos antes ao dar à luz, que a mãe dele começou a chorar quando a viu pela primeira vez. A princesa de Saxe-Altemburgo esteve em São Petersburgo para assistir à cerimónia de maioridade de Constantino, quando ele fez o juramento de lealdade ao seu pai e irmão mais velho, uma prática que tinha sido introduzida pelo seu pai para garantir que a ordem de sucessão nunca mais seria desafiada. O futuro czar Alexandre II foi o primeiro a fazer o juramento em 1834, quando tinha dezasseis anos de idade. Agora, no inverno de 1847, o czar conduziu o seu segundo filho à capela do Palácio de Inverno e "depois de fazer o sinal da cruz e de beijar a Bíblia, Constantino leu o juramento numa voz clara, com a mão levantada. Parecia estar muito impressionado, e, assim que acabou de ler o juramento, recebeu a bênção e um abraço do pai e da mãe, que estavam muito emocionados. Depois, abraçou os irmãos, as irmãs e a sua noiva". Depois, todos os presentes foram em procissão até ao Salão de São Jorge, onde o grão-duque voltou a repetir o juramento em frente de alguns oficiais e representantes do exército escolhidos a dedo.

Constantino Nikolaevich
Em Setembro de 1848, nove meses depois da sua cerimónia de maioridade, Constantino casou-se com Alexandra. A princesa juntou-se à família imperial como grã-duquesa Alexandra Iosifovna e, um ano depois, após a morte do grão-duque Miguel Pavlovich, marido da grã-duquesa Helena Pavlovna, o jovem casal herdou o Palácio de Pavlovsk, uma das propriedades mais bonitas dos Romanov. A maior parte da sua vida conjunta seria passada entre os palácios de Pavlovsk e de Mármore na cidade de São Petersburgo e o Palácio de Strelna, perto de Peterhof.

A grã-duquesa Alexandra Iosifovna
Alexandra Iosifovna era uma princesa até à ponta dos pés, com um sentido de dignidade nato e um respeito profundo pelos valores tradicionais. Nos seus últimos anos de vida, divertia-se quando ouvia as conversas das suas netas e damas-de-companhia sobre os seus pretendentes e contava sempre como os tempos tinham mudado. Recordava que, quando a sua irmã, a princesa Maria, tinha ficado noiva do príncipe-herdeiro de Hanôver, apenas o tinha visto uma vez e que, quando ele chegou ao palácio do pai dela para o anúncio oficial, a sua mãe mandou todas as quatro irmãs ao encontro dele vestidas com vestidos cor-de-rosa muito parecidos e com rosas no cabelo. O príncipe, que era praticamente cego, olhava para cada uma delas à vez, muito confuso. A noiva ficou muito envergonhada por não ser reconhecida e quase começou a chorar. Alexandra, que na altura tinha apenas doze anos, ajudou o seu futuro cunhado, dizendo-lhe em modo trocista: "Não sou eu!", mas foi preciso que um ajudante-de-campo empurrasse o príncipe na direcção de Maria para ele a encontrar. "Depois, deu-lhe um ramo de flores de modo cerimonial para as mãos e agradeceu-lhe a honra que lhe dava (...). A minha irmã fez uma vénia e eles ficaram noivos. Era assim que se fazia a corte no meu tempo", contava ela a rir-se.

Alexandra Iosifovna (em pé, à direita) com os pais, a princesa Amélia de Wüttenberg e José, Duque de Saxe-Altemburgo. No quadro encontra-se a sua irmã mais velha, Maria que, por sua vez, está a olhar para um outro retrato do seu marido, o futuro rei Jorge V de Hanôver. À esquerda de Alexandra está outra das suas irmãs mais velhas, a princesa Isabel de Saxe-Altemburgo, depois duquesa de Oldemburgo. 
No entanto, a corte dela foi mais elaborada: não havia dúvidas de que ela e Constantino tinham muitas coisas em comum e o casamento começou com muita felicidade. O seu primeiro filho, Nicolau, nasceu em São Petersburgo em 1859, sendo seguido, dezanove meses depois, de uma filha, Olga. Constantino era um pai carinhoso e o seu diário e cartas dirigidas ao seu irmão mais velho são testemunhos da harmonia pessoal dos seus primeiros anos de casado. Era raro os dois irmãos referirem as esposas sem usarem frases como "o teu anjo", ou, quando falavam dos filhos, sem referirem como eram crianças doces, gentis ou bonitas, adjectivos que ecoavam o afecto e orgulho que tinham nas suas famílias. Ambos os homens se envolviam completamente nos pormenores dos partos e dos cuidados para com as suas crianças, assuntos que a maioria dos homens da sua geração preferiam delegar às mulheres e criados. "Estou a escrever-te algumas palavras, meu querido Sasha", escreveu Constantino a partir de Strelna, no verão de 1858, pouco depois do nascimento do seu segundo filho, "para te contar que tudo aqui está a correr muito bem, graças a Deus. Hoje é o terceiro dia. O leite da minha esposa está a começar a aparecer, e os peitos dela estão cheios e inchados, o que lhe causa muito desconforto, mas, graças a Deus, ainda não há nenhum sintoma de febre. Infelizmente, as insónias que a afectaram há algum tempo voltaram. O pequeno Kostya [grão-duque Constantino Constantinovich] também está muito bem e fica deitado ao lado da mãe, na cama, o dia todo. A nossa mamã é inestimável, está connosco todos os dias e fica contente por poder ficar durante muito tempo. Ontem jantou comigo".

Constantino Nikolaevich com dois dos seus filhos.
Em Novembro de 1859, Nicolau adoeceu e os seus pais ficaram transtornados com preocupação. "O nosso pobre Nikola não está bem", escreveu Constantino no seu diário no quarto dia da doença, "a febre ainda não desceu, ele está a ficar mais fraco e os médicos começam a temer que seja tifo, apesar de não se atreverem a dizê-lo abertamente. Estamos muito preocupados. A nossa esperança está em Deus". Constantino e Alexandra passaram essa noite junto do filho, fizeram o mesmo no dia seguinte e ficaram encantados quando a criança começou a melhorar nessa noite. Os dois adoravam Nicolau, se calhar até demais, como os eventos futuros viriam a mostrar".
Constantino Nikolaevich com os seus filhos
No início do reinado do irmão, o que mais ocupava o tempo de Constantino eram os planos para uma reforma na marinha. Foi uma época durante a qual o grão-duque colocou os seus conhecimentos completamente à prova. Em 1857, as visitas que fez a Inglaterra e a França mostraram-lhe como deveria ser uma marinha moderna, mas tudo o que ele tinha eram 200 navios mal equipados, uma burocracia mal preparada que obstruía todos os seus movimentos, e praticamente nenhum financiamento. Constantino queria que o país tivesse os seus próprios estaleiros para que a marinha se libertasse da sua dependência de encomendas ao estrangeiro, mas era uma luta difícil. "Quero construtores de navios e marinheiros, não multidões de escrituários", dizia ele. Também explicou a um amigo quais eram as suas ambições a longo prazo: "estou prestes a criar um Marinha. Não temos nenhuma e temos de o fazer. O nosso primeiro dever é trabalhar no duro e não esperar grandes resultados (...) não devemos trabalhar para a nossa época, mas sim para o futuro". Nada parecia capaz de o parar, nem sequer as obrigações às quais o país se encontrava sujeito devido à Guerra da Crimeia e que proibiam a Rússia de colocar uma frota naval no Mar Negro.

Constantino Nikolaevich com o uniforme da marinha.
O grão-duque era energético e determinado, e, além de promover os seus planos para a marinha, também estava envolvido nas reformas dos colégios navais e militares, numa investigação rigorosa da corrupção no exército, e na revisão das leis intransigentes de censura do país. Patrocinava expedições para explorar e mapear zonas remotas do império. Era a arma secreta do czar. Abrupto e temperamental, odiava profundamente qualquer pessoa que se opunha às suas ideias, mas conseguia lidar mais eficazmente com os problemas que assombravam o seu irmão mais sensível. A emancipação dos servos, a reforma mais importante de todas, não era uma política popular. Quando o comité nomeado para a organizar colocava exigências e se mostrava inabalável, Alexandre chamava Constantino. O seu feitio fez com que ganhasse inimigos, mas ele insistiu nas suas ideias, apesar de essa atitude acabar por se tornar num pesadelo para ele. Depois de doze meses tempestuosos, Constantino perdeu a paciência e partiu num cruzeiro para o estrangeiro "desanimado e frustrado com tudo o que era dito sobre ele na Rússia". Regressou à sua posição quase um ano depois. Quando a emancipação entrou finalmente em vigor em 1861, Alexandre II agradeceu publicamente ao irmão o contributo que tinha feito.

Constantino Nikolaevich
Nesse mesmo ano, em 1861, alguns eventos trouxeram mudanças significativas à vida do grão-duque e da sua família. O sector russo da Polónia, repartida por vários países desde o século anterior, estava a passar por distúrbios e tinha sido imposta a lei marcial. O antigo vice-rei, que tinha implorado para ser libertado do seu cargo, tinha acabado por morrer de falha cardíaca.  À medida que a agitação aumentava, Alexandre achou que precisava de um vice-rei em quem pudesse confiar realmente e decidiu nomear Constantino. O grão-duque chegou a Varsóvia em inícios de 1862 e foi quase imediatamente alvejado no ombro por um aprendiz de alfaiate. O czar voltou a chamá-lo para casa, para o grão-duque recusou-se a ir e a sua esposa e família decidiram apoiá-lo e ficar com ele. Assim que pôde, Constantino apareceu em público e pediu o fim da violência.

Constantino Nikolaevich
O grão-duque sentia compaixão pelos polacos e, ignorando os conselhos dos generais nomeados pelo irmão, acabou com a lei marcial e deu início a um programa de liberalização. O polaco voltou novamente a ser a língua oficial do país, Constantino nomeou polacos para cargos administrativos e reuniu uma corte de polacos e russos de renome à sua volta. Muitos anos depois, a condessa Marie Kleinmichel, filha do conde von Keller, um dos ministros nomeados por Constantino, ainda recordava aquele período glorioso da sua vida.

Constantino Nikolaevich
Ainda criança na altura, Marie era muitas vezes convidada para brincar com os filhos do grão-duque. A sua filha mais velha, Olga, tinha-se tornado numa menina gentil e tímida, que se desfazia em lágrimas muito facilmente. A filha mais nova, Vera, passava longos períodos de tempo na Alemanha com a sua tia, a grã-duquesa Olga Nikolaevna, que não tinha filhos. Com doze anos de idade, Marie era, em idade, mais próxima do filho mais velho, Nicolau, que era já moreno, atraente e, em todos os aspectos, o filho favorito dos pais, ofuscando completamente os seus irmãos mais novos, Constantino, de quatro anos, e Dmitri, que era ainda bebé. Tanto Nicolau como Marie estavam, na altura, obcecados com o livro "A Casa de Gelo", que descrevia as lutas do herói Artemi Volinsky contra o malvado estadista Biron, durante o reinado da czarina Anna Ivanovna, no século XVIII. O jovem sonhava ser Volinsky e imaginava grandes aventuras, nas quais ele é que era o herói. Tinha herdado o idealismo do pai, mas também o seu orgulho e temperamento imprevisível.

Constantino e Alexandra com o seu filho mais velho, Nicolau.
Em Julho de 1862, a grã-duquesa Alexandra deu à luz o sexto filho do casal no Palácio de Lazienki em Varsóvia. Para elogiar os polacos, o casal decidiu chamá-lo Vacslav, mas a escolha foi infeliz. Os russos na corte em São Petersburgo insistiam em utilizar a forma russa do nome, Viacheslav, o que causou muitas querelas e situações desagradáveis desnecessariamente. Apesar de tudo, o bebé Vacslav, ou Viacheslav, foi baptizado em grande estilo. O seu tio, o grão-duque Miguel Nikolaevich e a esposa dele, assim como uma das filhas da grã-duquesa Maria Nikolaevna, duquesa de Leuchtenberg, viajaram até Varsóvia com as suas comitivas, e o czar mandou o seu segundo filho, o grão-duque Alexandre Alexandrovich, para segurar o bebé na pia. Com dezassete anos de idade, Alexandre era alto, pesado e desajeitado. Ao contrário do seu irmão mais velho, o czarevich, faltavam-lhe as boas maneiras e era, muitas vezes, tempestuoso nos momento errados, deitava mobílias ao chão e mostrava não se sentir confortável em ocasiões formais. Os seus primos até lhe chamavam "Sasha Patas-de-Urso".

Alexandra Feodorovna com o seu filho mais novo, Vacslav.
Durante a semana de festividades que assinalou o baptizado, os observadores mais atentos poderiam ter reparado que havia problemas no horizonte. O grão-duque Constantino não era um homem tolerante. Conhecia os filhos do irmão desde que eles tinham nascido e tinha uma relação particularmente próxima com o czarevich Nicolau. Quando o seu sobrinho mais velho começou a mostrar um interesse sério por música, Constantino registou esse facto com muito orgulho no seu diário e assistiu ao seu progresso com muita satisfação. No entanto, nunca tinha conseguido sentir o mesmo nível de afecto por Alexandre e ficou transtornado com o fraco desempenho que o jovem mostrou em Varsóvia. Durante um jantar formal, Alexandre deixou cair um decantador de vinho tinto, o que levou Constantino a comentar: "Vejam só o porco que nos mandaram de São Petersburgo". Alexandre não disse nada, mas lançou um olhar furioso ao tio e nunca lhe perdoaria a humilhação.

Alexandre Alexandrovich (futuro czar Alexandre III) com a sua prima, a princesa Eugénia de Leuchtenberg.
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

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