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terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Um Voo de Pombas - Os primeiros anos de Alexandre II - Segunda Parte

Alexandre Alexandrovich
Com alguma relutância, Nicolau I deu autorização ao filho para convalescer em Itália, mas, em finais de Janeiro de 1839, a comitiva já estava novamente em viagem, desta vez pelas cortes da Alemanha. Não era segredo que Alexandre estava à procura de uma esposa. Os seus pais tinham esperança que gostasse da princesa Alexandrina de Baden, mas a jovem de dezoito anos não despertou qualquer sentimento em Alexandre. A partir da corte do pai dela, em Karlsruhe, Alexandre avançou para Heidelberg, mas estava normalmente a sentir-se exausto e, a 12 de Março, o general Kavelin sugeriu uma paragem não-planeada em Darmstadt. Alexandre queria uma noite descansada, mas o grão-duque de Hesse tinha outros planos, convidando o czarevich e a sua comitiva para o teatro e, depois, para jantar. A maioria sentia-se demasiado cansada para ir, mas Alexandre não podia recusar. "Foi só na manhã seguinte", contou Zhukovsky aos pais dele, "que fiquei a saber o que tinha acontecido na noite anterior. Dizer que estava feliz não chega (...). Atingimos o objectivo da nossa viagem".

Darmstadt em 1830
Alexandre ficou paralisado quando viu a filha do grão-duque. Aos catorze anos de idade, Maria de Hesse-Darmstadt ainda era uma criança, mas era alta para a idade e inteligente. Também se sentia sozinha, sentia a falta da mãe que a tinha criado longe da corte e que tinha morrido de tuberculose quando Maria tinha apenas onze anos de idade. Durante um curto período de tempo, quando Maria era mais nova, os seus pais tinham-se separado e havia rumores em todas as cortes da Europa de que o grão-duque não era o seu pai biológico. Nem toda a gente em Darmstadt era simpática para Maria e Alexandre era demasiado sensível para resistir à combinação da sua juventude, beleza e infelicidade. A sua comitiva ficou em Darmstadt durante alguns dias e, quando chegou a altura de partir, Alexandre levou consigo um medalhão com uma madeixa de cabelo de Maria.

Maria de Hesse-Darmstadt
Na noite de 19 de Março, Alexandre chegou a Haia onde iria passar um mês com a sua tia, a grã-duquesa Ana Pavlovna, princesa de Orange, e a família dela para comemorar a Páscoa e o seu vigésimo-primeiro aniversário. "O Sasha foi encantador no seu uniforme de cossaco, que lhe fica maravilhosamente bem.", escreveu Ana ao seu irmão nessa noite. "O bigode pequenino dele está a crescer e, quanto à aparência, posso dizer-te que o acho um jovem muito bonito". Os dias em Haia eram passados tranquilamente, a fazer visitas e escrever cartas, e, à noite, Alexandre fazia companhia à tia à hora do chá. É possível que lhe tenha falado de Maria, pelo menos é essa a ideia que a grã-duquesa Ana transmite numa outra carta dirigida ao irmão: "tenho a certeza que a diferença de locais e ambiente não o distraíram do objectivo principal que o devia ocupar". Ana ficou encantada com o seu sobrinho: "tem muito tacto, graciosidade e dignidade", escreveu ela, "com uma naturalidade que encanta".

Ana Pavlovna, princesa de Orange
A 20 de Abril, Alexandre deixou Haia e partiu para Inglaterra para mais uma visita de sucesso. A rainha Vitória, que era um ano mais nova do que ele e ainda solteira, achou a naturalidade tão encantadora como a sua tia tinha achado. Alexandre ficou no país um mês e foi recebido com entusiasmo por todo o lado. A 29 de Maio regressou a Haia e, depois, com a autorização dos pais, voltou a Darmstadt onde já tinham começado as negociações preliminares para o seu casamento com Maria.


A rainha Vitória em 1838

Existe uma história contada desde sempre e, por isso, dada como verdadeira, de que o czar Nicolau I estava contra o noivado e manteve a sua posição durante um ano, obrigando o filho a lutar por aquilo que queria. Almedingen descreveu como o czar, furioso, exigiu que Alexandre regressasse à Rússia após a primeira visita a Darmstadt, e escreve que Alexandre voltou para enfrentar a fúria do pai antes de continuar a sua viagem pelas cortes europeias. Apesar de este cenário parecer familiar, não há provas que o sustentem. A comitiva de Alexandre chegou a Darmstadt a 12 de Março e ficou lá durante alguns dias, chegando a Haia no dia 19. Sendo que na altura não tinham um meio de transporte mais rápido do que um cavalo, seria impossível incluir uma visita a São Petersburgo neste período de tempo, mesmo que o czar a tivesse ordenado, e, além disso, não existem sinais de que Nicolau estivesse realmente contra a união: o que o czar queria realmente era ver o filho bem casado. Em Abril, o embaixador austríaco em São Petersburgo reportou que o czar tinha aceite a aliança de Hesse e que a tinha comunicado ao seu próprio governo. Em Maio, Nicolau escreveu ao seu cunhado, o príncipe de Orange, e, ao referir-se ao seu sobrinho, o filho mais velho da sua irmã, acrescentou: "também o meu filho já encontrou o seu amor. Vamos ver o que irá acontecer. Pelo menos até agora, as belas jovens inglesas ainda não conseguiram ultrapassar Darmstadt". Havia apenas um motivo pelo qual Alexandre teria de esperar para o casamento: o facto de Maria ainda não ter sequer quinze anos de idade.

Maria de Hesse-Darmstadt
Após uma breve visita à família de Hesse, Alexandre regressou à Rússia, onde o seu pai o começou a incluir nos assuntos de estado e, à medida que o ano ia passando, o czarevich preparava-se para regressar a Darmstadt. O seu pai era da opinião de que ele não podia tomar uma decisão definitiva enquanto não visse a princesa novamente. O czar e a czarina não iriam tentar influenciar o filho, "mas ficaríamos encantados se a decisão fosse afirmativa". O noivado foi anunciado em Abril. Nicolau I e Alexandra também estavam a viajar pela Europa nessa primavera e deram os parabéns a Alexandre e Maria pessoalmente em Frankfurt, nesse mês de Junho. Em Agosto, algumas semanas depois de Maria completar dezasseis anos de idade, a família viajou em conjunto para a Rússia. A 28 de Abril de 1841, na véspera do dia em que Alexandre completou vinte-e-três anos de idade, os dois casaram-se na capela do Palácio de Inverno.

Maria Alexandrovna e o futuro czar Alexandre II
O casamento trouxe a Alexandre um nível de felicidade pessoal que ele já não sentia desde antes de o seu pai subir ao trono. Alexandre e Maria (agora conhecida como Maria Alexandrovna) eram jovens, interessavam-se por literatura, música e poesia, e a sua corte tornou-se no ponto principal dos seus amigos que partilhavam dos mesmos gostos. A maioria das suas noites eram passadas a dançar, a ouvir música, a ler em voz alta e a trocar ideias. A sua primeira filha, Alexandra, nasceu em Czarskoe Selo no verão de 1842 e um filho, Nicolau, nasceu um ano depois. Com o seu nascimento, a linha de sucessão ficou garantida e os avós ficaram encantados. Depois nasceram Alexandre, Vladimir, Alexei, Maria... Alexandre era um pai dedicado. As paredes do seu escritório em Czarskoe Selo estavam cobertas de retratos da sua esposa e filhos e a sua secretária quase transbordava com miniaturas deles. As crianças brincavam ao lado dele enquanto ele trabalhava. A pequena Alexandra morreu de meningite tuberculosa oito semanas antes de completar sete anos de idade e Alexandre guardou cuidadosamente o seu vestido de seda azul o resto da sua vida. A pequena grã-duquesa tinha um lugar especial no coração do pai. Muitos anos depois da sua morte, quando a sua outra filha, Maria, estava prestes a casar, Alexandre contou a Lady Augusta Stanley sobre a criança que tinha perdido, que "era tão dedicada a ele que costumava pedir para ficar na mesma divisão do pai, mesmo quando ele estava ocupado, e ficava lá durante longas horas, em silêncio, só para poder ver o papá".

Alexandre com os seus dois filhos mais velhos, Alexandra e Nicolau
Mas Alexandre e Maria Alexandrovna partilhavam mais do que os filhos. Alexandre estava já envolvido activamente no governo do seu pai e pedia a opinião da sua esposa para tudo. Levava os papéis de estado para casa e os dois liam e discutiam os mesmos entre si. Alexandre respeitava o bom senso de Maria, assim como o da sua tia Helena Pavlovna, que se tinha tornado na amiga mais chegada de Maria dentro da família imperial. Juntos, o jovem casal lia as obras acabadas de publicar de Turgenev e Gogol, que estavam na mira da censura oficial. Juntos, estudavam os relatórios mais recentes sobre o estado do país, que eram demasiado controversos para mostrar ao czar. Zhukovsky ainda estava por perto e continuava a incentivar Alexandre: "o teu coração deseja sinceramente o maior bem e, um dia, terás grande poder nas tuas mãos (...) mas terás de saber o que fazer (...) assim que souberes que uma medida é boa, a sua aceitação deve ser imediatamente seguida da sua concretização".

Alexandre Alexandrovich
Em 1842, Alexandre liderou um comité que o seu pai tinha convocado para alterar as condições da servidão. Os seus objectivos eram limitados, mas isso não impediu uma tempestade de protestos. Havia interesses ocultos na Rússia que estavam decididos a preservar o sistema tal como ele estava. As acções do comité foram atrasadas pela burocracia. O descontentamento aumentou. Em algumas zonas, a esperança numa reforma foi arrasada e, quando isso aconteceu, os camponeses tornaram-se violentos ou abandonaram as suas terras. Noutros locais também houve violência, mas pelo motivo contrário: os camponeses temiam a mudança. Era um ambiente caótico e desmotivante e a única resposta do czar Nicolau I foi aumentar ainda mais a repressão. Esta atitude prolongou-se ao longo da década de 1840. Com uma censura rigorosa e castigos medievais, Nicolau I tentou proteger a Rússia dos pedidos de mudança que se estavam a espalhar por toda a Europa, mas não havia nada que conseguisse silenciar a fúria no país. No entanto, Alexandre que, na altura, era já uma figura central do governo, não foi culpado por nenhuma destas políticas. Ainda havia uma aura dourada à sua volta.

Nicolau I da Rússia
O reinado de Nicolau aproximava-se do seu doloroso final. A partir de 1852, Alexandre viu o seu pai a entrar em conflito directo contra as grandes potências europeias. Ninguém queria que a Guerra da Crimeia acontecesse. Alexandre, que nunca se sentira como um verdadeiro soldado, detestava a ideia de ir para a guerra e percebeu imediatamente qual seria o resultado daquela em particular, mas não podia opôr-se ao pai. Era praticamente o regente do império, detendo todos os poderes à excepção do poder essencial para decidir a política geral, e Maria partilhava a sua ansiedade, à medida que ia procurando coragem nos evangelhos e nas cartas de Zhukovsky e assistia ao desenrolar dos acontecimentos. Não havia coragem suficiente do lado russo para compensar a falta de organização e de liderança. No início de 1855, Alexandre não aguentava mais e dispensou o comandante-em-chefe, substituindo-o por um homem da sua confiança. Dois dias depois, chegava a notícia de que o czar Nicolau I tinha morrido e que Alexandre se tinha tornado czar da Rússia. Tinha trinta-e-seis anos de idade e herdava um país perto do colapso.

Alexandre (esq) com o pai Nicolau I e o irmão Constantino Nikolaevich (dir).
Neste ponto baixo, havia mais esperança no seu reinado do que nunca. Nos seus primeiros meses de reinado, Alexandre aliviou a censura e levantou as restrições que tinham sido impostas a viagens ao estrangeiro. Mais tarde, iria abolir a pena capital e o castigo por chicotadas. Os responsáveis pela Revolta Dezembrista foram finalmente libertados. Até os maiores inimigos do regime esperavam que Alexandre conseguisse um milagre. Em Inglaterra, um socialista exilado, Alexander Herzen, editor do diário Kolokol (O Sino) fez uma promessa extraordinária. Disse que iria abandonar a oposição "porque tenho em mim a esperança de que o czar fará algo pela Rússia. Majestade, dê liberdade à palavra russa (...) dê-nos liberdade de expressão (...) dê a terra aos camponeses". Foi um momento extraordinário. Tudo parecia possível, e as pombas voavam por toda a Rússia.

Fogo de artíficio na coroação de Alexandre II em 1856
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

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