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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A nossa alegria desde que nasceu - Czarevich Nicolau Alexandrovich - Primeira Parte

Nicolau Alexandrovich
A emancipação dos servos foi a grande conquista de Alexandre II que também levou a cabo um impressionante número de reformas na educação, direito, governo e forças armadas do império russo. Fez todos os possíveis para satisfazer a onda de esperança que o tinha acompanhado desde a sua subida ao trono. No entanto, foi também durante o seu reinado que surgiu uma nova ameaça: grupos terroristas que queriam colocar os seus próprios programas para o império em vigor, escolheram o czar como alvo principal e a sua vida estava constantemente em perigo. Os sonhos começaram a morrer e a esperança a desvanecer. Alexandre hesitava entre a reforma e a repressão. Até o seu casamento, que tinha começado tão bem, e contribuído tanto para as conquistas positivas do seu reinado, também começou a falhar e a sua felicidade a escapar-lhe entre os dedos. Tudo aconteceu de forma gradual, mas um dos golpes mais duros que sofreu, embora poucos o tivessem visto na altura, foi a morte do filho mais velho do casal imperial, o czarevich Nicolau.

Nicolau Alexandrovich por Hau
"Se alguma vez encontrar algo tão belo quanto isto em qualquer outro país, ficarei a saber que as minhas viagens valeram a pena". Nicolau Alexandrovich, filho mais velho do czar Alexandre II e herdeiro do trono da Rússia, estava na varanda do Chalé de Peterhof no início do verão de 1864, a ver as florestas, o mar, e o reflexo distante do sol nos telhados de Kronstadt quando escreveu esta frase. No dia seguinte, iria partir para uma visita prolongada ao estrangeiro para terminar a sua educação e encontrar uma noiva.

Nicolau com a sua irmã mais velha, Alexandra.
Todos os relatos parecem indicar que o czarevich era um jovem excepcional. O poeta Tiutchev dizia que ele era "a nossa alegria desde que nasceu". Alto e magro, tinha herdado a postura e feitio do pai, com a beleza e inteligência da mãe, a czarina Maria Alexandrovna. Nasceu em São Petersburgo, a 20 de Setembro de 1843, e o acontecimento foi comemorado tanto como o nascimento de qualquer primeiro varão em linha de sucessão directa ao trono: "foi uma grande alegria para nós e para o império", escreveu o seu avô Nicolau I, "que Deus guarde esta criança tão preciosa para nós". Nicolau tornou-se herdeiro do trono quando tinha onze anos de idade, numa altura em que a Guerra da Crimeia estava a chegar ao fim. Juntamente com o seu irmão mais novo, Alexandre, o novo czarevich decidiu criar a sua pequena vingança do inimigo criando um mundo de fantasia chamado "Mopsopolis", desenhado a caneta com grande mestria e no qual os ingleses eram representados como cães pug.

Nicolau com os seus irmãos mais novos: Alexandre (futuro czar Alexandre III), Vladimir e Alexei.
Nicolau tinha cinco anos quando a sua irmã mais velha, Alexandra, morreu. Os seus companheiros de infância mais próximos foram os seus irmãos e os seus primos Leuchtenberg, filhos da irmã do pai, a grã-duquesa Maria Nikolaevna. Eram todos crianças felizes e normais. Anna Tiucheva, uma dama-de-companhia da czarina, descreveu uma briga entre Nicolau e os irmãos que aconteceu algumas semanas depois de o seu pai subir ao trono. Os rapazes estavam a falar sobre o pai quando 
"o pequeno grão-duque Nicolau disse, com um ar de importância: 'o papá agora anda tão ocupado que vai adoecer de exaustão. Quando o avô estava vivo, o papá ajudava-o, mas ninguém ajuda o papá. O tio Constantino está demasiado ocupado com a sua área e os tios Nix e Misha ainda são muito novos. Eu também ainda sou pequeno demais para o poder ajudar'. Quando ouviu isto, o seu irmão Alexandre levantou-se cheio de vontade: 'o problema não é seres pequeno demais, é seres estúpido demais'. O herdeiro protestou enfurecido: 'isso não é verdade, eu não sou estúpido. Sou só pequeno demais'. 'Não, não, és só estúpido'. O herdeiro perdeu a paciência com estas acusações desrespeitosas. Agarrou numa almofada e atirou-a às costas do irmão. O grão-duque Alexei decidiu que era um momento oportuno para escolher um lado e começou a gritar o mais alto que conseguia: 'és estúpido, só isso: estúpido'. Começou então uma briga e as amas tiveram de intervir e restaurar a paz. O herdeiro afastou-se, profundamente ofendido com a falta de confiança que os seus irmãos tinham na sua capacidade de ajudar na gestão do país".
Nicolau (dir) com os seus irmãos Alexandre, Alexei e Vladimir.
Nicolau foi educado para o trono, independentemente do que os irmãos poderiam pensar, e seguiu um programa rigoroso e intensivo de estudos que tinha sido criado especialmente para ele. Ambos os seus pais o adoravam, mas, embora o seu pai pudesse ser severo, a sua mãe dedicou-se exclusivamente a ele, quase esquecendo os seus outros filhos. Nicolau desenvolveu-se rapidamente, mostrando ter uma inteligência rápida e interesse em questões importantes que impressionavam e, por vezes, até preocupavam as pessoas responsáveis pela sua educação. O seu governante, o conde Stroganov, referiu que a maturidade de pensamento e da expressão do czarevich pareciam quase pouco saudáveis para alguém tão jovem. Um dos seus tutores tinha uma visão mais optimista: "se conseguir formar um estudante igual a Nicolau Alexandrovich a cada dez anos," escreveu o professor Soloviev, "ficarei com a sensação de que cumpri a minha vocação para o ensino".

Nicolau Alexandrovich
Parece tudo perfeito, mas existe uma imagem bastante diferente do czarevich nas memórias de um dos seus contemporâneos. Uma vez por semana, por insistência da mãe que achava que lhe faria bem estudar com outros rapazes, Nicolau tinha aulas de álgebra no Corps des Pages. Entre esses rapazes encontrava-se o príncipe Peter Kropotkin que recordou que o czarevich passava grande parte das aulas a desenhar - muito bem - e a fazer piadas com os amigos. O príncipe acrescentou que Nicolau era bem humorado e gentil, mas que tinha uma atitude extrema com tudo. Todos os esforços para o educar foram em vão e ele acabaria por chumbar no exame final que se realizou em Agosto de 1861. Podia estar a falar-se de uma outra criança, mas o testemunho de Kropotkin deve ser lido com cuidado. Quando escreveu as suas memórias, o príncipe estava exilado, depois de ter sido condenado à prisão na Rússia e na França devido às suas actividades revolucionárias. Não tinha motivos para gostar da família imperial, mas a sua descrição acaba mesmo por mostrar um lado mais humano do czarevich. Os desenhos e o humor fazem lembrar a sua criação de "Mopsopolis" e é possível que Nicolau visse esta sala-de-aulas como uma pausa do palácio, onde era o único aluno de uma equipa de tutores extremamente respeitada e exigente. Afinal, não deixava de ser uma criança, ainda que prodigiosa.

Nicolau Alexandrovich
Tal como tinha acontecido com o pai, quando Nicolau deixou a sala-de-aula, foi fazer uma viagem por todo o império russo que durou três anos. Nesta altura, já estava a começar a pensa no futuro. Em 1860, tinha comprado ou foi-lhe oferecida uma fotografia da princesa Dagmar da Dinamarca. Na altura, ela tinha apenas doze anos e ele dezassete, mas é possível que já lhe tivessem falado da importância do casamento para alguém na sua posição. Não há duvidas de que começou a ver Dagmar como uma forte candidata. A sua colecção de fotografias dela cresceu e, em Agosto de 1863, quando estava a visitar as cidades do sul da Rússia, garantiu à mãe que já não conseguia apaixonar-se por mais ninguém. As suas cartas mostram um jovem que sabia perfeitamente que tinha sido impulsivo no passado e que estava desesperado para ser levado a sério. Não sabia se alguma vez iria conhecer Dagmar, mas escreveu: "deixo isso nas mãos de Deus, uma vez que se trata de um assunto sagrado, um sacramento (...) estimo de tal forma estes sentimentos que seria doloroso se me dissesses que não passam de uma ilusão, que podem mudar mil vezes e por aí fora. Se assim fosse, por que motivo haveriam de durar três anos? E porque é que estão a aumentar e não a diminuir?". Em Junho de 1864, Nicolau deixou a Rússia na companhia do conde Stroganov e de uma grande comitiva.

A princesa Dagmar da Dinamarca por volta de 1860
Nesse verão, a Dinamarca estava em guerra contra a Prússia e as fronteiras estavam fechadas, por isso o primeiro destino da comitiva foi Bad Kissingen, onde a czarina estava a fazer tratamento num spa acompanhada de algumas das mais importantes figuras políticas da época. O imperador e a imperatriz da Áustria também lá estavam, assim como o grão-duque de Mecklemburgo-Schwerin e Nicolau ficou tempo suficiente para se tornar amigo do rei Luís II da Baviera de dezoito anos. Depois, viajou até Weimar, a convite de um primo do seu pai, o duque Carlos Alexandre. Nicolau ficou impressionado com as semelhanças que encontrou entre aquela capital de um pequeno estado alemão e a Rússia. Tal devia-se ao facto de, em 1804, a sua tia-avó, a grã-duquesa Maria Pavlovna da Rússia, ter ido viver para Saxe-Weimar como noiva do futuro grão-duque e a sua influência estava em todo o lado. Nicolau adorou a visita e não demoraram a surgir rumores de que tinha ficado noivo da filha de quinze anos do duque, a princesa Maria, que chegou mesmo a conhecer a czarina em Schwalbach. No entanto, Nicolau tinha outras ideias. De Weimar viajou até à Holanda onde passou várias semanas em Scheveningen, a tomar banhos de sol e mar. Outra prima do seu pai, a rainha Sofia dos Países Baixos, e a rainha-viúva Ana Pavlovna, sua tia-avó, ficaram encantadas por o conhecer, mas, logo que pôde, Nicolau apressou-se a chegar à Dinamarca para o encontro que tanto tinha antecipado. Em Copenhaga, foi recebido pelo príncipe-herdeiro e pelo irmão do rei, e, na manhã seguinte, chegaram as carruagens reais que os levaram numa viagem de três horas até Fredensborg: o rei e toda a sua família esperavam-nos na escadaria principal.

Dagmar da Dinamarca e Nicolau Alexandrovich (em pé, à esquerda) com a família real dinamarquesa no verão de 1864.
Dagmar não o desiludiu. As filhas da rainha Luísa da Dinamarca eram conhecidas pela sua simplicidade e a princesa cumprimentou o seu possível futuro noivo enquanto estava a usar um vestido de verão leve com um bibe preto por cima e o cabelo preso num puxo arranjado que lhe caía pelo pescoço. Segundo Feodor Oom, o secretário do Gabinete do Czarevich, a quem Nicolau tinha mostrado a fotografia de Dagmar várias vezes "ela brilhava com a frescura dos seus dezasseis anos de idade". Mas, inicialmente, a atmosfera era tensa e desconfortável. Apaixonar-se por uma fotografia era muito mais fácil do que conhecer uma jovem de carne e osso - sempre sob o olhar atento dos seus parentes. Durante vários dias, ninguém sabia o que dizer, e era o rei quem se sentia mais inibido entre todos. Nicolau gostou do rei Cristiano, reagindo bem à sua abertura e franqueza, mas teve algumas hesitações relativamente à sua futura sogra: numa longa carta que escreveu à mãe a 5 de Setembro, elogiou o rei, mas recusou-se a fazer comentários sobre a rainha, dizendo que se sentia demasiado feliz para estar a criticar alguém. Havia bons motivos para a sua felicidade, uma vez que Nicolau estava finalmente a ganhar coragem e a fazer progressos a sério. Ficou encantado com a atmosfera rural do palácio e encontrava uma escapatória nos jogos com os irmãos mais novos de Dagmar: Tira e Valdemar. Com a ajuda do seu ajudante-de-campo, o coronel Richter, conseguiu abordar pela primeira vez o assunto que o tinha levado até à Dinamarca através do irmão mais velho de Dagmar, o príncipe-herdeiro Frederico: será que uma proposta de casamento seria geralmente bem vista no país, e será que Dagmar sentia o mesmo por ele? A resposta para ambas as perguntas terá sido positiva.

Dagmar, a sua irmã Tira, o czarevich Nicolau Alexandrovich e a rainha Luísa da Dinamarca.
O tempo passou a correr e a conhecida boa disposição da família real dinamarquesa fez com que a timidez de Nicolau desaparecesse rapidamente. O grupo saía em passeio para locais interessantes, organizavam-se chás e jantares informais nos quais se conversava livremente, faziam-se corridas, jogos e riam sem parar - foi um tempo de alegria para os dinamarqueses que tinham acabado de sair de uma guerra. Nicolau ficou encantado com Dagmar, mas garantiu à sua mãe que tinha tido o cuidado de não falar do assunto do casamento, principalmente com ela, e que tinha apenas perguntado aos seus pais se poderia regressar. Sabendo que o seu filho tinha grandes esperanças para o encontro, a czarina aconselhou-o a conter os seus sentimentos. Antes de mais, tinha de se encontrar com os pais e obter a sua permissão antes de fazer a proposta de casamento oficial.

Nicolau Alexandrovich
Nicolau viajou da Dinamarca para sul para se juntar aos pais em Heiligenberg, a casa do seu tio materno a sul de Darmstadt. Passou a sua primeira noite lá sozinho com a mãe enquanto o resto da família estava no teatro. O czar e a czarina tiveram todo o gosto em aceitar os planos do filho e ele mostrou-se ansioso por regressar à Dinamarca para fazer o pedido de casamento, mas, antes disso, teria de passar pela Prússia para assistir a um dia inteiro de manobras militares juntamente com o pai. No caminho para lá, pararam em Estugarda para visitar outra tia, a rainha Olga de Wuttemberg, e Nicolau comemorou o seu 21.º aniversário na Alemanha. É provável que não tivesse grande vontade de saudar o exército que tinha acabado de derrotar de forma humilhante os dinamarqueses e que temesse que aquele compromisso fosse mal visto na Dinamarca. Pior ainda, na noite antes das manobras, o czarevich sofreu de dores fortes nas costas, mas esforçou-se por participar de qualquer das formas. Depois de passar onze horas em cima de um cavalo, ficou exausto e foi esse o primeiro sinal de que algo se passava. Infelizmente, ninguém lhe deu atenção.

Nicolau Alexandrovich
Assim que pôde, Nicolau viajou novamente para a Dinamarca e juntou-se à família real em Bernstorff. Teve imediatamente uma conversa com o rei que, posteriormente, explicou o motivo da visita de Nicolau com muita calma à sua visita e juntou o casal. Os dois foram depois dar um passeio pelo parque, com o rei e a rainha a caminhar um pouco mais à frente e um dos irmãos de Dagmar um pouco mais atrás. Tanto Nicolau como Dagmar se sentiram tímidos e apreensivos: "Queria que a Terra me engolisse", contou Nicolau à mãe. Mas esforçou-se por expressar os seus sentimentos e, com alívio, descobriu que eles eram recíprocos: Dagmar aceitou o seu pedido e os dois beijaram-se e deram aos mãos. "Mal conseguia falar", escreveu ele, "e apesar de ser um dia frio de outono, sentia-me a arder como se estivesse dentro de um forno". O noivado foi anunciado oficialmente nessa mesma noite, a 28 de Setembro, e, nos dias seguintes, houve trocas de presentes e visitas. O jovem casal teve também permissão para falar a sós pela primeira vez.  Nicolau mostrou a Dagmar as fotografias suas que tinha juntado ao longo de cinco anos e ela surpreendeu-o ao revelar que já pensava nele antes de se conhecerem e que tinha prometido a si mesma que não se casaria com mais ninguém. Existe a ideia de que os casamentos entre realeza nesta época eram sempre assuntos políticos, mas se era esse o caso com Nicolau e Dagmar, nenhum deles se sentia dessa forma. Nicolau garantiu à mãe que ninguém tinha falado de casamento com Dagmar anteriormente. Era importante saber que a atracção de Dagmar também tinha crescido lentamente e em privado. Mas ele foi ainda mais longe. O czarevich tinha reparado que havia muitos na Dinamarca que viam o casamento como uma aliança política e ele tinha tido o cuidado de não os encorajar. Pelo menos para ele, tratava-se de um assunto absolutamente privado.
 
Dagmar de mãos dadas com Nicolau Alexandrovich, rodeados de três dos irmãos de Dagmar (Valdemar, Tira e Frederico) e da sua mãe, a rainha Luísa.
A 12 de Outubro, Nicolau teve de partir para se juntar à sua família em Darmstadt. Estava intensamente feliz, bombardeando a sua mãe com histórias sobre a ingenuidade da sua noiva, a sua beleza e a gentileza dos seus olhos enquanto rezava com toda a sinceridade para que o seu futuro juntos fosse feliz. Ficou encantado quando soube que Dagmar iria escolher o nome da mãe dele, Maria, quando se convertesse para a Igreja Ortodoxa Russa. Um dos objectivos da sua viagem tinha sido cumprido, mas ainda faltavam várias visitas culturais antes de Nicolau poder regressar à Rússia com a sua noiva.

Nicolau Alexandrovich e Dagmar
A viajar com pequenas paragens por toda a Alemanha e Áustria, o czarevich e a sua comitiva chegaram a Veneza a 30 de Outubro. Passaram duas semanas a visitar museus, igrejas e teatros antes de avançarem para Milão onde foram recebidos por Humberto, o príncipe-herdeiro da Itália. Nicolau queria saber mais sobre o sistema político italiano, mas ficou desiludido com as respostas que príncipe-herdeiro deu às suas perguntas. Humberto disse que Nicolau, na categoria de herdeiro de uma monarquia absoluta, provavelmente seria obrigado a saber tudo sobre direito e sobre a constituição, mas que ele próprio preferia deixar esses assuntos nas mãos dos políticos. No entanto, os italianos ficaram impressionados com o nível de conhecimento que o czarevich tinha sobre os mais variados assuntos. Em comparação com os príncipes que tinham, ele parecia estar extremamente bem informado e as suas perguntas eram pertinentes e perspicazes. Na verdade, Nicolau recebia boletins diários com notícias do seu gabinete em São Petersburgo que lia sempre atentamente. O objectivo da viagem era impressionar a Europa com o homem que, um dia, iria governar a Rússia. Nicolau encontrou-se também com o rei Vítor Emanuel II num jantar de gala dado em sua honra em Turim e, a 11 de Novembro, partiu para Génova com a sua comitiva. O primeiro vislumbre que tive da cidade, com a luz outonal e o mar Mediterrâneo a toda a volta, fizeram-no lembrar com nostalgia a costa do Mar Negro e a sua casa. Nesse dia, estava um esquadrão naval russo ancorado no porto de Génova e o almirante foi cumprimentar Nicolau na estação de comboios. O czarevich ficou tão contente por ver homens em uniformes russos que convidou todos os oficiais do esquadrão para jantar no seu hotel.

Nicolau Alexandrovich
Nicolau estava com saudades de casa e decidiu fazer uma pausa do seu programa oficial para visitar a mãe. Nesse outono, a czarina teve uma crise de tuberculose particularmente grave e, da última vez que a tinha visto, a sua mãe estava a ser transportada numa maca para a estação de comboios de Darmstadt de onde viajou para Nice. Naquele momento, estava hospedada na Villa Bermond, que, embora tivesse o nome de Villa, era, na verdade, uma vasta propriedade numa colina, conhecida pelos seus pomares e campos de violetas de Parma. O parque tinha cinco casas, três das quais se encontravam ocupadas pela czarina e pela sua comitiva. Nicolau viajou por mar, a bordo de uma corveta russa chamada Vitiaz e com o nome falso de "Comte du Nord", o mesmo nome que o seu bisavô, o czar Paulo I, utilizava mais de meio século antes. Quando chegou a Nice, Nicolau ficou alojado na Villa Diesbach e passou alguns dias com a mãe antes de a corveta Vitiaz o levar de volta a Itália, desembarcando desta vez em Livorno. Grande parte da comitiva estava à sua espera em Florença, onde estava planeado um programa preenchido de actividades. No entanto, quando o comboio parou na estação, Nicolau queixou-se de dores nas costas de tal forma fortes que os seus companheiros quase tiveram de o carregar para os quartos que tinha reservado no Hotel Itália. 

Nicolau Alexandrovich
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Um Voo de Pombas - Os primeiros anos de Alexandre II - Segunda Parte

Alexandre Alexandrovich
Com alguma relutância, Nicolau I deu autorização ao filho para convalescer em Itália, mas, em finais de Janeiro de 1839, a comitiva já estava novamente em viagem, desta vez pelas cortes da Alemanha. Não era segredo que Alexandre estava à procura de uma esposa. Os seus pais tinham esperança que gostasse da princesa Alexandrina de Baden, mas a jovem de dezoito anos não despertou qualquer sentimento em Alexandre. A partir da corte do pai dela, em Karlsruhe, Alexandre avançou para Heidelberg, mas estava normalmente a sentir-se exausto e, a 12 de Março, o general Kavelin sugeriu uma paragem não-planeada em Darmstadt. Alexandre queria uma noite descansada, mas o grão-duque de Hesse tinha outros planos, convidando o czarevich e a sua comitiva para o teatro e, depois, para jantar. A maioria sentia-se demasiado cansada para ir, mas Alexandre não podia recusar. "Foi só na manhã seguinte", contou Zhukovsky aos pais dele, "que fiquei a saber o que tinha acontecido na noite anterior. Dizer que estava feliz não chega (...). Atingimos o objectivo da nossa viagem".

Darmstadt em 1830
Alexandre ficou paralisado quando viu a filha do grão-duque. Aos catorze anos de idade, Maria de Hesse-Darmstadt ainda era uma criança, mas era alta para a idade e inteligente. Também se sentia sozinha, sentia a falta da mãe que a tinha criado longe da corte e que tinha morrido de tuberculose quando Maria tinha apenas onze anos de idade. Durante um curto período de tempo, quando Maria era mais nova, os seus pais tinham-se separado e havia rumores em todas as cortes da Europa de que o grão-duque não era o seu pai biológico. Nem toda a gente em Darmstadt era simpática para Maria e Alexandre era demasiado sensível para resistir à combinação da sua juventude, beleza e infelicidade. A sua comitiva ficou em Darmstadt durante alguns dias e, quando chegou a altura de partir, Alexandre levou consigo um medalhão com uma madeixa de cabelo de Maria.

Maria de Hesse-Darmstadt
Na noite de 19 de Março, Alexandre chegou a Haia onde iria passar um mês com a sua tia, a grã-duquesa Ana Pavlovna, princesa de Orange, e a família dela para comemorar a Páscoa e o seu vigésimo-primeiro aniversário. "O Sasha foi encantador no seu uniforme de cossaco, que lhe fica maravilhosamente bem.", escreveu Ana ao seu irmão nessa noite. "O bigode pequenino dele está a crescer e, quanto à aparência, posso dizer-te que o acho um jovem muito bonito". Os dias em Haia eram passados tranquilamente, a fazer visitas e escrever cartas, e, à noite, Alexandre fazia companhia à tia à hora do chá. É possível que lhe tenha falado de Maria, pelo menos é essa a ideia que a grã-duquesa Ana transmite numa outra carta dirigida ao irmão: "tenho a certeza que a diferença de locais e ambiente não o distraíram do objectivo principal que o devia ocupar". Ana ficou encantada com o seu sobrinho: "tem muito tacto, graciosidade e dignidade", escreveu ela, "com uma naturalidade que encanta".

Ana Pavlovna, princesa de Orange
A 20 de Abril, Alexandre deixou Haia e partiu para Inglaterra para mais uma visita de sucesso. A rainha Vitória, que era um ano mais nova do que ele e ainda solteira, achou a naturalidade tão encantadora como a sua tia tinha achado. Alexandre ficou no país um mês e foi recebido com entusiasmo por todo o lado. A 29 de Maio regressou a Haia e, depois, com a autorização dos pais, voltou a Darmstadt onde já tinham começado as negociações preliminares para o seu casamento com Maria.


A rainha Vitória em 1838

Existe uma história contada desde sempre e, por isso, dada como verdadeira, de que o czar Nicolau I estava contra o noivado e manteve a sua posição durante um ano, obrigando o filho a lutar por aquilo que queria. Almedingen descreveu como o czar, furioso, exigiu que Alexandre regressasse à Rússia após a primeira visita a Darmstadt, e escreve que Alexandre voltou para enfrentar a fúria do pai antes de continuar a sua viagem pelas cortes europeias. Apesar de este cenário parecer familiar, não há provas que o sustentem. A comitiva de Alexandre chegou a Darmstadt a 12 de Março e ficou lá durante alguns dias, chegando a Haia no dia 19. Sendo que na altura não tinham um meio de transporte mais rápido do que um cavalo, seria impossível incluir uma visita a São Petersburgo neste período de tempo, mesmo que o czar a tivesse ordenado, e, além disso, não existem sinais de que Nicolau estivesse realmente contra a união: o que o czar queria realmente era ver o filho bem casado. Em Abril, o embaixador austríaco em São Petersburgo reportou que o czar tinha aceite a aliança de Hesse e que a tinha comunicado ao seu próprio governo. Em Maio, Nicolau escreveu ao seu cunhado, o príncipe de Orange, e, ao referir-se ao seu sobrinho, o filho mais velho da sua irmã, acrescentou: "também o meu filho já encontrou o seu amor. Vamos ver o que irá acontecer. Pelo menos até agora, as belas jovens inglesas ainda não conseguiram ultrapassar Darmstadt". Havia apenas um motivo pelo qual Alexandre teria de esperar para o casamento: o facto de Maria ainda não ter sequer quinze anos de idade.

Maria de Hesse-Darmstadt
Após uma breve visita à família de Hesse, Alexandre regressou à Rússia, onde o seu pai o começou a incluir nos assuntos de estado e, à medida que o ano ia passando, o czarevich preparava-se para regressar a Darmstadt. O seu pai era da opinião de que ele não podia tomar uma decisão definitiva enquanto não visse a princesa novamente. O czar e a czarina não iriam tentar influenciar o filho, "mas ficaríamos encantados se a decisão fosse afirmativa". O noivado foi anunciado em Abril. Nicolau I e Alexandra também estavam a viajar pela Europa nessa primavera e deram os parabéns a Alexandre e Maria pessoalmente em Frankfurt, nesse mês de Junho. Em Agosto, algumas semanas depois de Maria completar dezasseis anos de idade, a família viajou em conjunto para a Rússia. A 28 de Abril de 1841, na véspera do dia em que Alexandre completou vinte-e-três anos de idade, os dois casaram-se na capela do Palácio de Inverno.

Maria Alexandrovna e o futuro czar Alexandre II
O casamento trouxe a Alexandre um nível de felicidade pessoal que ele já não sentia desde antes de o seu pai subir ao trono. Alexandre e Maria (agora conhecida como Maria Alexandrovna) eram jovens, interessavam-se por literatura, música e poesia, e a sua corte tornou-se no ponto principal dos seus amigos que partilhavam dos mesmos gostos. A maioria das suas noites eram passadas a dançar, a ouvir música, a ler em voz alta e a trocar ideias. A sua primeira filha, Alexandra, nasceu em Czarskoe Selo no verão de 1842 e um filho, Nicolau, nasceu um ano depois. Com o seu nascimento, a linha de sucessão ficou garantida e os avós ficaram encantados. Depois nasceram Alexandre, Vladimir, Alexei, Maria... Alexandre era um pai dedicado. As paredes do seu escritório em Czarskoe Selo estavam cobertas de retratos da sua esposa e filhos e a sua secretária quase transbordava com miniaturas deles. As crianças brincavam ao lado dele enquanto ele trabalhava. A pequena Alexandra morreu de meningite tuberculosa oito semanas antes de completar sete anos de idade e Alexandre guardou cuidadosamente o seu vestido de seda azul o resto da sua vida. A pequena grã-duquesa tinha um lugar especial no coração do pai. Muitos anos depois da sua morte, quando a sua outra filha, Maria, estava prestes a casar, Alexandre contou a Lady Augusta Stanley sobre a criança que tinha perdido, que "era tão dedicada a ele que costumava pedir para ficar na mesma divisão do pai, mesmo quando ele estava ocupado, e ficava lá durante longas horas, em silêncio, só para poder ver o papá".

Alexandre com os seus dois filhos mais velhos, Alexandra e Nicolau
Mas Alexandre e Maria Alexandrovna partilhavam mais do que os filhos. Alexandre estava já envolvido activamente no governo do seu pai e pedia a opinião da sua esposa para tudo. Levava os papéis de estado para casa e os dois liam e discutiam os mesmos entre si. Alexandre respeitava o bom senso de Maria, assim como o da sua tia Helena Pavlovna, que se tinha tornado na amiga mais chegada de Maria dentro da família imperial. Juntos, o jovem casal lia as obras acabadas de publicar de Turgenev e Gogol, que estavam na mira da censura oficial. Juntos, estudavam os relatórios mais recentes sobre o estado do país, que eram demasiado controversos para mostrar ao czar. Zhukovsky ainda estava por perto e continuava a incentivar Alexandre: "o teu coração deseja sinceramente o maior bem e, um dia, terás grande poder nas tuas mãos (...) mas terás de saber o que fazer (...) assim que souberes que uma medida é boa, a sua aceitação deve ser imediatamente seguida da sua concretização".

Alexandre Alexandrovich
Em 1842, Alexandre liderou um comité que o seu pai tinha convocado para alterar as condições da servidão. Os seus objectivos eram limitados, mas isso não impediu uma tempestade de protestos. Havia interesses ocultos na Rússia que estavam decididos a preservar o sistema tal como ele estava. As acções do comité foram atrasadas pela burocracia. O descontentamento aumentou. Em algumas zonas, a esperança numa reforma foi arrasada e, quando isso aconteceu, os camponeses tornaram-se violentos ou abandonaram as suas terras. Noutros locais também houve violência, mas pelo motivo contrário: os camponeses temiam a mudança. Era um ambiente caótico e desmotivante e a única resposta do czar Nicolau I foi aumentar ainda mais a repressão. Esta atitude prolongou-se ao longo da década de 1840. Com uma censura rigorosa e castigos medievais, Nicolau I tentou proteger a Rússia dos pedidos de mudança que se estavam a espalhar por toda a Europa, mas não havia nada que conseguisse silenciar a fúria no país. No entanto, Alexandre que, na altura, era já uma figura central do governo, não foi culpado por nenhuma destas políticas. Ainda havia uma aura dourada à sua volta.

Nicolau I da Rússia
O reinado de Nicolau aproximava-se do seu doloroso final. A partir de 1852, Alexandre viu o seu pai a entrar em conflito directo contra as grandes potências europeias. Ninguém queria que a Guerra da Crimeia acontecesse. Alexandre, que nunca se sentira como um verdadeiro soldado, detestava a ideia de ir para a guerra e percebeu imediatamente qual seria o resultado daquela em particular, mas não podia opôr-se ao pai. Era praticamente o regente do império, detendo todos os poderes à excepção do poder essencial para decidir a política geral, e Maria partilhava a sua ansiedade, à medida que ia procurando coragem nos evangelhos e nas cartas de Zhukovsky e assistia ao desenrolar dos acontecimentos. Não havia coragem suficiente do lado russo para compensar a falta de organização e de liderança. No início de 1855, Alexandre não aguentava mais e dispensou o comandante-em-chefe, substituindo-o por um homem da sua confiança. Dois dias depois, chegava a notícia de que o czar Nicolau I tinha morrido e que Alexandre se tinha tornado czar da Rússia. Tinha trinta-e-seis anos de idade e herdava um país perto do colapso.

Alexandre (esq) com o pai Nicolau I e o irmão Constantino Nikolaevich (dir).
Neste ponto baixo, havia mais esperança no seu reinado do que nunca. Nos seus primeiros meses de reinado, Alexandre aliviou a censura e levantou as restrições que tinham sido impostas a viagens ao estrangeiro. Mais tarde, iria abolir a pena capital e o castigo por chicotadas. Os responsáveis pela Revolta Dezembrista foram finalmente libertados. Até os maiores inimigos do regime esperavam que Alexandre conseguisse um milagre. Em Inglaterra, um socialista exilado, Alexander Herzen, editor do diário Kolokol (O Sino) fez uma promessa extraordinária. Disse que iria abandonar a oposição "porque tenho em mim a esperança de que o czar fará algo pela Rússia. Majestade, dê liberdade à palavra russa (...) dê-nos liberdade de expressão (...) dê a terra aos camponeses". Foi um momento extraordinário. Tudo parecia possível, e as pombas voavam por toda a Rússia.

Fogo de artíficio na coroação de Alexandre II em 1856
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Um Voo de Pombas - Os primeiros anos de Alexandre II - Primeira Parte

A imperatriz Alexandra Feodorovna com os seus dois filhos mais velhos: Maria e Alexandre
Em meados do século XIX, a ideia de um trono passar pacificamente de pai para filho era uma novidade na Rússia, onde, ao longo de duzentos anos, a sucessão tinha sido problemática e, muitas vezes, violenta. Alexandre I tornou-se czar após o assassinato do pai e muitos suspeitavam que ele tinha estado envolvido no mesmo; a sombra dessa dúvida nunca o abandonou. O seu irmão mais novo foi obrigado a subir ao trono que não queria devido à repressão violenta da Revolta Dezembrista. Por isso, quando Nicolau I morreu na sua cama e deixou um filho capaz, com experiência e pronto para assumir o governo do país, até os inimigos da dinastia estavam prontos para acreditar num futuro melhor. Mas este tipo de esperança já rodeava o czar desde o seu nascimento.

Alexandre II com a sua irmã Maria Nikolaevna
Os presságios favoráveis e ruinosos acompanham sempre os príncipes como uma sombra. Quando a criança que se tornaria no "Czar Libertador" da Rússia nasceu no Kremlin em Abril de 1818, todos os sinos de Moscovo estavam a tocar para celebrar a Páscoa. Diz-se que um bando de pombas brancas sobrevoou o telhado do Mosteiro Chudov, onde, tradicionalmente, os bebés imperiais eram baptizados. Muitas vezes repetida, esta história acabaria por simbolizar o pesado fardo de esperança e expectativa que Alexandre Nikolaevich sempre carregou consigo. Ao descrever o seu nascimento muitos anos depois, a sua mãe lembra-se de se ter sentido "um tanto solene e melancólica, ao pensar que aquele menino seria um dia o imperador". 

Alexandre Nikolaevich
Existem pequenos vislumbres da infância de Alexandre Nikolaevich nas cartas da sua avó, a imperatriz Maria Feodorovna. "O menino (...) muda todos os dias. É uma criança encantadora (...) sobe às árvores, mas acho que consegue livrar-se das situações mais perigosas. Baloiça-se nos ramos, salta por todo o lado (...) o Sasha é ágil como um macaquinho". Protegido por uma família anormalmente chegada e afectuosa, Alexandre não tinha noção da importância da sua posição. O seu pai, o grão-duque Nicolau Pavlovich, era severo, mas também sabia dar o braço a torcer e brincar com os filhos nas alturas certas e, muitas vezes, tinha um papel activo nos seus jogos. Quando Alexandre tinha seis anos de idade, o gentil capitão Karl Merder foi nomeado para substituir as suas amas e governantas, mas o padrão pacifico da sua vida não foi perturbado por esta mudança.


Alexandre com a sua irmã Maria Nikolaevna
Uma outra mudança que teve um impacto mais palpável aconteceu em 1825, quando o seu pai Nicolau subiu ao trono da Rússia num período de caos e violência. Quando os Dezembristas dispararam os primeiros tiros na Praça do Senado, a ideia de russos a derramar sangue uns dos outros parecia uma novidade assustadora, no entanto, com o passar do tempo, tornar-se-ia em algo demasiado familiar. O pequeno Alexandre não deve ter percebido o que estava a acontecer à sua volta. Durante alguns dias mais tensos, teve de sair de sua casa e foi colocado sob a protecção dos Guardas Finlandeses, no pátio iluminado a tochas do Palácio de Inverno, e ficou ao lado da sua mãe destroçada enquanto ela rezava pela protecção do marido. Foi uma apresentação assustadora ao mundo do poder político. Desde cedo que Alexandre começou a ser educado para levar a cabo as reformas que a Rússia tanto precisavam nas temia as forças que as reformas mal executadas poderiam libertar. A sombra daqueles dias de Dezembro nunca o abandonou. Mas nunca houve um príncipe melhor preparado do que ele: em 1826, Nicolau I ofereceu ao poeta Zhukovsky a posição de tutor do herdeiro, em parceria com Merder.

Alexandre Nikolaevich
Perante os acontecimentos, Zhukovsky parece ter sido uma escolha improvável. Filho ilegítimo de um proprietário das províncias, a sua mãe tinha sido uma refém adolescente, levada para a Rússia depois de uma das guerras do império contra a Turquia. O seu pai proporcionou-lhe uma boa educação, com o objectivo de o preparar para o serviço público, mas o jovem Zhukovsky nunca se sentiu atraído por essa área. Foi andando de emprego em emprego até que os seus poemas chamaram a atenção da imperatriz-viúva Maria Feodorovna. Foi na sua casa que Zhukovsky floresceu e, quando o seu filho Nicolau casou com a princesa de Berlim, o poeta foi o escolhido para lhe ensinar a língua russa. Seria Alexandra a pedir ao marido para nomear Zhukovsky para tutor do seu filho mais velho. O poeta mostrou ser imune às tentações da vida na corte. Honesto e idealista, dizia aquilo que pensava sem temer represálias e nunca se aproveitou da sua posição privilegiada junto dos imperadores. Acabaria por morrer relativamente pobre.

Vasily Zhukovsky, tutor de Alexandre.
Ainda antes de iniciar o seu trabalho, Zhukovsky emitiu um proteste veemente contra a introdução do czarevich de oito anos à vida militar. Tinha sido permitido ao rapaz andar de cavalo ao lado das tropas durante a parada da coroação do seu pai: as multidões adoraram o momento e Nicolau não conseguiu esconder o seu orgulho, mas Merder reparou que Alexandre ficou demasiado entusiasmado depois e não se conseguia concentrar nas suas lições. "Senhora, perdoe-me," escreveu Zhukovsky à czarina, "uma paixão demasiado desenvolvida pela arte da guerra - mesmo se encorajada durante uma parada - seria prejudicial para o corpo e para a mente (...) ele acabaria por ver o seu povo como um regimento gigantesco e o seu país como um quartel". Inicialmente, o czar ficou furioso, mas quando o tutor ameaçou demitir-se, acabou por ceder e ouviu as ideias do poeta.

Alexandre Nikolaevich
Zhukovsky definiu um programa de estudos de nove anos para o czarevich. Alexandre teria dois colegas com quem iria partilhar as suas lições, num ambiente escolar estruturado que não deveria ser interrompido por qualquer dever cerimonial. Os três iriam dormir, comer, trabalhar e brincar juntos: a competição entre eles eram mal vista, e os rapazes foram encorajados a discutir os livros que andavam a ler uns com os outros, assim como a escrever diários. As áreas mais importantes da sua formação foram história, línguas e uma temática religiosa. À medida que foram progredindo, os rapazes também começaram a aprender ciências, direito e filosofia. O bom-comportamento era recompensado com a oportunidade de colocar dinheiro na caixa para os pobres - algo que poderia ser uma receita para o desastre noutras salas-de-aula. O treino militar era uma parte secundária do programa, durante o qual aprendiam esgrima, ginástica e equitação. Aos domingos as aulas eram substituídas por trabalhos manuais e passeios.

Alexandre Nikolaevich
Quando estava bem-disposto, Alexandre era uma criança educada e honesta, era visivelmente inteligente e tinha uma natureza generosa. Ficava comovido com qualquer sinal de sofrimento e tristeza. Mas, apesar de tudo, não deixava de ser um rapaz normal que também tinha momentos de travessuras e preguiça, e os seus tutores repararam que tinha a tendência preocupante de transformar qualquer pequeno percalço numa crise. Chorava com demasiada facilidade e, muitas vezes, sem motivo. Com paciência e com o passar do tempo, Zhukovsky descobriu temia a sua herança, por ter ainda na memória a violência da Revolta Dezembrista, que associava à subida ao poder do pai. Alexandre tinha onze anos quando a sua mãe deu à luz um segundo filho varão. Alexandre terá dito: "Estou tão feliz. Assim o papá vai poder escolhê-lo a ele para herdeiro".

Nicolau I (centro) com Alexandre (esquerda), Constantino (direita), Nicolau e Miguel durante a Guerra da Crimeia.
Apesar de Zhukovsky ser gentil, o seu idealismo exacerbado também pode ter contribuído para os medos do seu aluno. Em certa ocasião, deu a Alexandre um ensaio no qual definia aquele que, do seu ponto de vista, era o governante ideal, e o futuro czar guardou-o consigo o resto da vida. "Respeita a lei," escreveu Zhukovsky, "uma lei que seja negligenciada pelo czar nunca será cumprida pelo povo (...). Respeita a opinião pública, pois esta ilumina muitas vezes o soberano (...). Governa pela ordem, não pelo poder (...). Ama o teu povo; a não ser que o czar ame o seu povo, o povo não pode amar o seu czar". O tutor também deixou a seguinte nota na secretária de Alexandre: "Serás tu a entrar na História um dia. Isso é inevitável pelo acaso do teu nascimento. A História irá julgar-te antes do resto do mundo e esse julgamento será para todo o sempre". Era uma perspectiva aterrorizante para um rapaz de onze anos.

Alexandre Nikolaevich
Nesse mesmo ano, em 1829, Alexandre participou em manobras militares pela primeira vez. O seu pai notou uma certa falta de entusiasmo, o que levou ao aumento das tensões entre o czar e os tutores do filho. Nicolau queria que se desse mais importância às ciências militares e ficou chocado quando Zhukovsky escolheu para tutor de História do filho o professor Arseniev, que tinha sido expulso da universidade onde dava aulas por ter atacado a corrupção do sistema judicial. Zhukovsky argumentou que Alexandre tinha de compreender em que estado se encontrava realmente o país. Um professor de religião de quem ele gostava particularmente foi dispensado devido às suas simpatias por dissidentes. À medida que as tensões entre a escola e a corte aumentavam, Alexandre começou a levar as aulas menos a sério e a discutir com os seus companheiros. Em 1832, Merder sofreu um pequeno ataque cardíaco. Arseniev culpou Alexandre pelo sucedido e ele desfez-se em lágrimas e prometeu que se iria portar melhor.


Alexandre Nikolaevich
Alexandre estava prestes a iniciar uma nova etapa da sua vida. Em 1834, quando fez dezasseis anos de idade, tornou-se no primeiro príncipe Romanov a fazer um juramento de lealdade ao czar - com o passar do tempo, este iria tornar-se num ritual de passagem importante para todos os homens da família imperial. As palavras e o cenário eram esmagadores: na capela do Palácio de Inverno, perante uma congregação de cortesãos, representantes do governo, convidados estrangeiros e do clero, o jovem prometeu obedecer ao pai "em tudo, sem poupar o meu corpo, até à minha última gota de sangue". "Pushkin recordou que todos os presentes "ficaram profundamente comovidos". Muitos não conseguiram segurar as lágrimas. Alexandre herdou a sua fortuna naquele dia e, por opção própria, ofereceu quantias de dinheiro generosas aos governadores-gerais de São Petersburgo e Moscovo para que eles as distribuíssem pelos pobres. Só muito mais tarde é que soube que Merder, que tinha ido para Itália para descansar e recuperar a saúde, tinha sofrido outro ataque cardíaco alguns dias antes da cerimónia e que a última palavra que tinha dito antes de morrer tinha sido o nome do seu aluno.


Alexandre Nikolaevich
O czarevich voltou para a sala de aulas com a determinação de ter sucesso. Sentia-se culpado e triste por Merder e a única forma que encontrou para se sentir melhor foi através do trabalho. Ainda faltavam três anos para concluir o sistema de nove criado por Zhukovsky e, no exame final, o jovem de dezanove anos mostrou que dominava várias áreas de conhecimento e que possuía uma compreensão profunda do mundo à sua volta. Mas, além das aulas, Alexandre também passou os seus três últimos anos de estudo a conhecer a sociedade. Todos os queriam ver e, para um rapaz habituado a camas de campanha e a salas-de-aula funcionais, esta nova vida deve ter parecido cheia de tentações. Inevitavelmente, começaram a surgir alguns rumores de que o czarevich estava apaixonado, mas nada escandaloso. Além do mais, Alexandre detestava lisonjas. Não demorou muito até toda a corte estar rendida ao seu futuro imperador.

Alexandre Nikolaevich
Com a sua educação formal concluída, Alexandre foi enviado para uma visita de sete meses pela Rússia, com uma agenda de visitas exigente elaborada pelo pai. Na companhia de Zhukovsky e do General Kavelin, o substituto de Merder, o herdeiro viajou por todo o país a uma velocidade estonteante. "Até quando estamos na cama à noite," queixou-se Zhukovsky à czarina, "sentimos que ainda estamos a galopar". As vilas que iam surgindo pelo caminho organizaram recepções civis, missas nas igrejas, banquetes e bailes, e os dignitários locais faziam fila para conhecer o seu futuro governante. Os camponeses faziam caminhadas de vários quilómetros só para ver a carruagem de Alexandre a passar. O grupo visitou escolas, hospitais, fábricas, instituições caritativas e igrejas; Alexandre observava e ouvia com interesse, mas sabia que ainda lhe faltava ver muita coisa.

Alexandre Nikolaevich
Alexandre começou a pedir para parar nas aldeias mais sujas e negligenciadas, nas quais saía da carruagem e caminhava, entrando nas cabanas dos camponeses como convidado. Não se importava que estas visitas não planeadas atrasassem a sua agenda. Para os camponeses devem ter parecido visitas fora deste mundo, mas se alguém se sentisse demasiado intimidado para falar, pelo menos Alexandre podia ver com os seus próprios olhos como viviam. O seu itinerário incluía uma visita à Sibéria, onde a família imperial nunca tinha estado. Enquanto lá esteve, decidiu ir visitar os campos de prisioneiros para falar com eles enquanto estes arrastavam as suas correntes. Em Tobolsk, fez um desvio especial para conhecer os Dezembristas exilados, responsáveis por uma rebelião da qual ele tinha as piores recordações. As condições do seu exílio deixaram-no de tal forma chocado que Alexandre escreveu uma carta arrebatadora ao pai a pedir-lhe clemência. O czar ouviu, mas não fez nada.

Nicolau I e Alexandre Nikolaevich
É fácil ver estas histórias com algum cinismo. Alexandre vinha do nível mais privilegiado da sociedade e quando a sua visita acabasse, ele podia regressar aos seus palácios. Mas os seus sentimentos eram genuínos e duradouros: ele insistiu em ver o verdadeiro estado em que se encontrava a Rússia, e não admira que tenha sido a fonte de grandes esperanças. O desafio seria quando o seu desejo de fazer o bem tivesse de ser traduzido em acções políticas duras. Nessa altura, as certezas dos ensinamentos de Zhukovsky, de que a opinião pública ficaria sempre do lado de um governante justo, e de que, se um governante que amasse o seu povo, este iria sempre amá-lo em troca, já não fariam tanto sentido.


Alexandre Alexandrovich
No entanto, por agora, tudo o que Alexandre fazia se transformava em ouro. A Rússia adorava-o e a sua missão seguinte seria uma digressão pela Europa pela qual os seus pais ansiavam com urgência uma vez que os rumores sobre as paixões de Alexandre se tinham transformado em realidade. Em inícios de 1838, Alexandre tinha-se apaixonado profundamente por uma dama-de-companhia polaca chamada Olga Kalinovskaya e, apesar de o czarevich saber que nunca se poderia casar com ela, os pensamentos de como poderia ser uma vida ao pé dela atormentavam-no. Alexandre iria apaixonar-se com demasiada facilidade e demasiado envolvimento o resto da vida. O seu pai compreendia-o e estava ansioso por o levar a conhecer o mundo, por o manter ocupado e por lhe encontrar uma esposa adequada. O czar planeou um calendário exaustivo para o filho que Alexandre seguiu com vontade, mas não demorou muito até o ritmo o começar a afectar. No início do verão de 1838, quando se encontrava em Copenhaga, Alexandre apanhou uma constipação que rapidamente se agravou e transformou numa bronquite que o obrigou a passar vários dias de cama. Finalmente a sua comitiva chegou até Ems, mas acabaram por ficar retidos na cidade durante três meses, devido aos ataques de tosse agoniantes e às febres que o czarevich não conseguia curar. Durante o resto da viagem, sofreu de asma.

Olga Kalinovskaya 

Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat