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sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Um Conto de Duas Mulheres: as esposas de Alexandre II - Segunda Parte

Maria Alexandrovna e Alexandre II
Quando a diversão acabou, Maria estava demasiado doente para regressar à Rússia com o marido e teve de ser levada numa maca até à estação, para ir passar o inverno a Nice. Ainda ninguém podia adivinhar, mas seria o inverno mais triste das suas vidas, dominado pela doença do czarevich Nicolau Alexandrovich. Quando ele morreu, a família regressou a Heiligenberg, onde os seus dias passaram de forma calma e solene. Um dia, a princesa Maria de Battenberg encontrou o seu primo Alexandre, o novo czarevich, a chorar no sofá da sala porque não conseguia aceitar a mudança no seu futuro - uma cena que se repetiria vinte-e-nove anos depois, quando o seu filho Nicolau também teve de lidar com a herança súbita de governar a Rússia. Maria Alexandrovna também estava desfeita, tanto física como psicologicamente, e o seu sobrinho Luís (futuro grão-duque de Hesse) temia que ela não teria força para sobreviver à morte do filho. Só o seu pai, o príncipe Carlos de Hesse, conseguiu consolá-la. Também ele tinha acabado de perder a sua única filha (a princesa Ana de Hesse-Darmstadt), por isso compreendia melhor do que ninguém o que a sua irmã estava a sentir, e os dois partilharam histórias sobre os seus filhos juntos. "Ontem a tia Maria falou durante muito tempo sobre o filho, sobre a sua educação e muitas outras coisas", escreveu a princesa Alice à sua mãe. "O Nix era a vida dela, ela trabalhava e vivia para ele, para o transformar num grande homem, sabendo do papel que ele teria no futuro".
O príncipe Carlos de Hesse-Darmstadt com a sua esposa, a princesa Isabel da Prússia, e dois dos seus filhos, o príncipe Luís de Hesse-Darmstadt (futuro grão-duque de Hesse e pai da czarina Alexandra Feodorovna) e a princesa Ana de Hesse-Darmstadt.
Esse futuro tinha desaparecido. Maria passou a dedicar-se aos seus filhos mais novos e às suas causas mais queridas tanto quanto podia. Em Abril de 1866, Maria e Alexandre comemoram as suas bodas de prata. Havia rumores de que, a esta altura, Alexandre já tinha tido vários casos amorosos com outras mulheres, mas, apesar disso, os dois continuavam a ser um casal apaixonado, apesar de estarem sobre cada vez mais pressão. Em meados da década de 1860, os terroristas ameaçavam cada vez mais a vida do czar e, com cada nova tentativa de assassinato, Maria ficava mais transtornada.

Maria Alexandrovna e Alexandre II com dois dos seus filhos mais novos: o grão-duque Sérgio Alexandrovich e a grã-duquesa Maria Alexandrovna
Os ecos da antiga vida familiar eram mais palpáveis quando o casal estava longe da Rússia. Em 1868, Maria e Alexandre regressaram a Heiligenberg com Maria, Sérgio e Paulo. A sua visita era muito aguardada pelos habitantes locais, uma vez que a czarina tinha fama de ser generosa com os seus antigos conterrâneos. Os aldeões montaram um arco do triunfo e, na manhã de 24 de Outubro, uma procissão de bagagens e empregados subiu a colina até ao palácio. Nessa noite, o príncipe Alexandre de Battenberg e a sua família foram até à estação de comboio para receber os seus convidados. Havia uma nova sala de espera e quarenta carruagens alinhadas à espera deles, mas apesar de todas as formalidades da realeza, a família imperial estava tão entusiasmada como qualquer família tradicional, e, à medida que o comboio entrava na estação, os russos tinham as cabeças fora das janelas. "A czarina chorou de alegria e o czar foi muito cordial; atrás deles vinham a Maria, o Sérgio e o Paulo, as damas-de-companhia, e todo o pessoal da corte. Depois todos ocuparam os seus lugares nas carruagens que estavam à espera e partimos. Fizemos uma paragem junto do arco do triunfo, onde se cantou o hino da Rússia e os aldeões atiraram flores".

A família imperial em Heiligenberg
Não houve um único momento triste durante estas férias e os dias iam-se sucedendo, cada um mais agitado do que o anterior. Até Maria se sentia bem o suficiente para se juntar à diversão. A sua sobrinha recordou uma noite particularmente feliz, na qual a família passou o serão junta do lado de fora da casa. "Estava muito escuro e estávamos todos assustados, principalmente os meninos, que davam os gritinhos mais altos que já ouvi. Começaram a inventar histórias sobre as ruínas que ficavam próximas, diziam que estavam a ver um 'Pirenpinker', uma figura branca colossal que era iluminada misteriosamente pela lua e nos fazia saltar de medo. Sempre que se falava de um fantasma, todos começávamos a gritar (...) depois começaram a aparecer todo o tipo de fantasmas: uma freira vestida de branco atrás de um limoeiro (era a czarina); o czar também nos assustou várias vezes quando ficou muito quieto num dos cantos das ruínas, com a roupa clara iluminada de forma muito estratégica pela lua, parecia mesmo um fantasma (...) ficámos nas ruínas até às dez da noite". 

Maria Alexandrovna
O dia do aniversário do czar amanheceu com bom tempo, o que foi uma sorte, uma vez ue tinha sido erguida uma tenda especial no terraço do palácio para receber todos os convidados que tinham aparecido para a missa ortodoxa dada em sua honra. Os cossacos fizeram a guarda e foi uma grande ocasião, mas, assim que os visitantes se foram embora, a família passou a controlar o dia e deu um concerto especial, no qual todos participaram. A festa acabou com uma sessão de fogo de artifício e, quando chegou a altura de os russos se irem embora uma semana depois, houve um mar de lágrimas. "Parecia ser particularmente difícil para o czar despedir-se destas colinas pacíficas, onde passava dias tão tranquilos em segurança. Ficou tão comovido (...)", reparou a sua sobrinha. Haveria mais reuniões de família em Heiligenberg em 1871, 74, 75 e 76, mas, à medida que as crianças foram crescendo e seguindo as suas próprias vidas, as coisas nunca mais voltaram a ser como antes.

Maria Alexandrovna com os seus filhos Paulo e Sérgio
Havia outro motivo pelo qual as coisas nunca mais voltariam a ser como antes. Durante uma festa de família em 1876, a princesa Maria de Battenberg ficou surpreendida quando ouviu alguém comentar que tinha visto o czar a passear num vale com uma jovem mulher e um menino. Só quando os visitantes se foram embora é que a mãe de Maria lhe contou aquilo que toda a cidade de São Petersburgo já sabia há nove anos: o czar Alexandre II tinha uma amante. Apesar de continuar a viver e viajar com a esposa, e de continuar a ser carinhoso com ela, havia outra mulher nas sombras, um segredo que era do conhecimento geral.

Catarina Dolgorukaya e Alexandre II
A história do romance é simples e até previsível. Quando a saúde de Maria Alexandrovna começou a piorar e ela deixou de conseguir estar presente em todos os seus compromissos, Alexandre começou a substituí-la em alguns deles. Um desses compromissos foi uma visita ao Instituto Smolny, que era patrocinado pelas czarinas desde que foi fundado por Catarina, a Grande. O Instituto Smolny dava educação às filhas da nobreza e, entre as suas alunas em inícios da década de 1860, encontravam-se duas irmãs, as princesas Catarina e Maria Dolgorukaya, cujo pai tinha morrido e deixado apenas dívidas aos seus filhos. Por causa disso, as suas duas filhas e quatro filhos foram colocados sob protecção imperial. Quando Alexandre viu Catarina pela primeira vez, lembrou-se imediatamente de um outro encontro no outono de 1857 (outras fontes apontam para 1859), quando ficou hospedado na casa do pai dela perto de Poltava, no sul da Rússia. Nessa altura, Catarina era apenas uma menina traquina. Agora, tinha catorze ou quinze anos, era muito bonita e sentia-se profundamente infeliz. Era uma menina do campo que sempre tinha sido livre e o Instituto Smolny, com os seus uniformes e regras exigentes, parecia uma prisão.

Catarina Dolgorukaya 
Parecia que a história se estava a repetir. Em Darmstadt, em 1839, Alexandre também se tinha apaixonado por uma bonita jovem de catorze anos que parecia infeliz e fora do seu elemento. Agora começava a sentir o mesmo por outra adolescente infeliz. Tal como Maria, Catarina era séria e reservada. As primeiras fotografias que existem dela mostram que, com esta idade, era até parecida com a czarina, e a combinação de juventude, beleza e infelicidade era algo ao qual Alexandre não conseguia resistir. A certa altura, a fraca saúde de Maria fez com que as relações físicas entre o casal se tornassem difíceis (ou até impossíveis), e Alexandre era um homem que precisava de amor físico. As suas visitas ao Instituto Smolny passaram a ser cada vez mais frequentes e o czar parecia dar mais atenção às duas irmãs do que a qualquer outra aluna. Quando fez dezassete anos de idade, Catarina deixou o instituto e foi viver com o irmão e com a esposa dele numa casa na cidade. Cruzava-se frequentemente com Alexandre em bailes e recepções e, certo dia, quando estava a passear pelo Jardim de Verão em São Petersburgo, o czar juntou-se a ela e a uma criada. Na primeira oportunidade, Alexandre ficou a sós com ela e confessou que a amava, mas Catarina limitou-se a fazer uma vénia e a afastar-se.

Catarina
O impasse durou um ano. Catarina não tinha nascido para se tornar numa amante. A sua linhagem era mais antiga e orgulhosa do que a do própria Alexandre, e não fazia parte da sua personalidade apaixonar-se facilmente. Os dois não voltaram a estar sozinhos até Julho de 1866, quando ela se encontrou com ele no Pavilhão Belvedere, em Peterhof. Diz-se que foi a tentativa de assassinato que o czar tinha sofrido às mãos de Dmitri Karakozov que finalmente a convenceu a submeter-se a ele. Tal como Maria, também ela temia pela vida dele. Nesse dia, os dois fizeram amor em Belvedere e Alexandre prometeu-lhe que um dia se casaria com ela se pudesse. Chamava-lhe a sua "esposa perante Deus" e os seus encontros continuaram em segredo até ao início de 1867, quando a sua cunhada descobriu o que estava a acontecer. Chocada, insistiu em levá-la consigo para Itália e nem Catarina nem o czar protestaram. A sua estadia em Itália durou cinco meses, mas ela continuou a trocar cartas cheias de paixão com Alexandre. Em Junho de 1867, o czar pediu-lhe para ela se encontrar com ele em Paris e, depois, os dois seguiram viagem juntos até São Petersburgo. Em 1869, o czar deu-lhe uma casa na Millionnaya, uma das ruas mais exclusivas da cidade, e perto do Palácio de Inverno. Foi a primeira das muitas casas que os dois partilharam.

Catarina
Oficialmente, o caso amoroso não era discutido, mas era quase impossível mantê-lo em segredo. A infidelidade fazia parte da mitologia dos czares; a sociedade tinha a certeza que todos os czares tinham tido casos amorosos, quer isso fosse verdade ou não, mas havia um sentimento de traição relativamente a este caso em particular. Não havia rumores interessantes sobre ele. Catarina nunca tentou obter qualquer vantagem do facto de o czar estar apaixonado por ela. Nunca fez favores aos amigos. Na verdade, tinha até muito poucos. Afastou-se por completo da sociedade e refugiou-se na pequena ilha da vida doméstica que tinha criado com o seu amante. Parecia até que o czar estava a levar o caso muito mais a sério do que seria conveniente. Alguns dos seus encontros aconteciam no próprio Palácio de Inverno: o seu primeiro filho, Georgi, nasceu lá em 1872, tendo até direito à presença de um médico imperial durante o parto. Desafiando ainda mais as convenções, o czar nunca procurou um marido de fachada para a sua amante, para dar um apelido à criança. Georgi e os seus cuidadores mudaram-se para aposentos na casa de um dos amigos de Alexandre, o General Ryleev para que, pelo menos a nível oficial, fosse possível manter a aparência de que Catarina era uma senhora solteira e virgem. Quando o bebé tinha dezoito meses de idade, nasceu uma segunda filha, Olga, que se juntou à casa secreta. Todos os dias, às três da tarde, quando o czar estava em São Petersburgo, ia visitar Catarina e os seus filhos. Quando estava na sua companhia, Alexandre voltou a descobrir a felicidade sem problemas que tinha sentido nos primeiros anos de casamento com Maria, quando os seus filhos ainda eram pequenos. Adorava a sua segunda família, mas, para Catarina, esta deve ter sido uma existência estranha. Toda a sua felicidade se centrava naquelas horas fugidas, e não podia ser vista com os filhos a não ser nesses momentos.

Alexandre, Catarina e os seus dois filhos mais velhos, Georgi e Olga
As cartas privadas trocadas entre os dois amantes mostram que a princesa podia ser difícil e que, muitas vezes, sentia ciúmes, algo que, provavelmente, seria inevitável tendo em conta as restrições que a relação impunha na sua vida. Mas Alexandre estava demasiado apaixonado para se importar, e confiava nela o suficiente para lhe falar sobre as preocupações da sua posição. Gradualmente, Catarina tornou-se uma fonte de apoio, dando continuidade ao trabalho que a sua esposa, agora profundamente doente com tuberculose, já não lhe podia dar. Catarina não era tão inteligente como Maria, nem tão bem educada: limitava-se a ouvir e a dar o apoio sem críticas de uma amante. A sua presença foi-se tornando cada vez mais importante para o czar, mas os benefícios para o czar tiveram um grande custo. Maria sabia da relação e estava consciente de que todos à sua volta estavam à espera para ver qual seria a sua reacção, mas ela não mostrou nenhuma. Continuou com os seus deveres e com o seu casamento, tanto quanto a sua saúde permitia, com uma dignidade silenciosa, guardando a sua dor para si.

Maria Alexandrovna a tomar chá no Palácio de Alexandre nos seus últimos anos de vida
Eram as necessidades das outras pessoas que lhe ocupavam o pensamento. Em 1875, o príncipe de Montenegro pediu-lhe para cuidar de duas das suas filhas e Maria arranjou-lhes um lugar no Instituto Smolny. Quando soube que a mais nova, Militsa, estava doente com tifo, foi visitá-la imediatamente e mandou chamar os melhores médicos da cidade. Ficou ao lado da jovem ao longo de toda a sua doença e enviava mensagens ao pai dela todos os dias. Muitas vezes era a sua própria doença que a forçava a deixar a Rússia, mas ninguém a criticava por passar longos períodos de tempo no estrangeiro. A sua filha Maria casou-se com o príncipe Alfredo do Reino Unido, filho da rainha Vitória, em inícios de 1874, e, em Dezembro do ano seguinte, Maria viajou até Inglaterra para o baptizado do seu neto, o príncipe Alfredo de Edimburgo. "Achei-a muito feminina (...) e muito gentil e simpática", escreveu a rainha Vitória à sua filha mais velha. "Ficámos logo à vontade uma com a outra, mas ela tem uma expressão muito triste e parece ser muito delicada. Acho que nos vamos dar muito bem. Coitada, tenho muita pena dela".

Maria com o seu neto, o príncipe Alfredo de Edimburgo em 1875
Todas as cortes europeias sentiam pena de Maria Alexandrovna, por vezes com um certo tom condescendente. Todos falavam sobre o escândalo. Alguns condenavam-na por ficar ao lado do czar. Maria recusava-se a mostrar qualquer reacção, e passou a dedicar todo o seu tempo aos filhos, à sua religião e às suas obras. À medida que a década de 1870 chegava ao fim, os eventos políticos pressionaram ainda mais o seu casamento, que já estava com problemas suficientes. Pela primeira vez, Alexandre II e Maria Alexandrovna, que tinham começado a sua união de forma tão harmoniosa e que sobreviveram a tantos problemas, ficaram em lados opostos quando rebentou a Guerra Russo-Turca de 1877-78. Mas apesar de a guerra ter prejudicado a sua relação, não teve força suficiente para os separar. O seu casamento tinha um sentimento inabalável, tal como os eventos dos seus últimos anos de vida iriam mostrar.

Maria Alexandrovna e Alexandre II com alguns dos seus filhos

Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

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