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segunda-feira, 7 de novembro de 2016

[Off-Topic] D. Pedro V e a família real britânica

A rainha Vitória do Reino Unido (de costas), o infante D. Luís e o rei D. Pedro V de Portugal
D. Pedro V, que reinou em Portugal entre 1853 e 1861, ficou para a história de Portugal como "o Esperançoso" e o "bem-amado". Filho de D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gota, tinha laços familiares muito próximos tanto com a rainha Vitória como com o seu marido, Alberto, príncipe-consorte do Reino Unido, uma vez que o seu pai era filho de Fernando de Saxe-Coburgo, irmão da mãe da rainha Vitória e do pai do príncipe Alberto.

Ainda antes de Pedro nascer, pouco tempo depois do seu casamento com D. Fernando, já a sua mãe, a rainha D. Maria II trocava correspondência com a rainha Vitória, maioritariamente sobre as suas vidas domésticas e, mais raramente, sobre a situação política dos seus países. Quando D. Pedro nasceu, D. Maria II ia mantendo a sua prima por casamento actualizada sobre os desenvolvimentos do seu filho. A rainha Vitória, no entanto, não estava tão convencida como a prima das vantagens de ter filhos, como revela a seguinte passagem do livro "D. Pedro V" de Maria Filomena Mónica:

A rainha D. Maria II com o seu filho, o futuro rei D. Pedro V

D. Maria II achava que os benefícios de ter filhos excediam os custos. Numa das cartas que enviou para Inglaterra declarava (...) 'quando a prima tiver filhos compreenderá melhor o que lhe digo e verá como é doce tratar das crianças, esperando de todo o meu coração que isto vos aconteça em breve'. Mas a rainha Vitória não partilhava destes sentimentos. Quando disse a D. Maria que não só temia os partos, mas desconfiava do prazer de ter crianças, esta ficou tão surpreendida que a admoestou: 'penso que, quando se ama o marido, nós desejamos e amamos ter crianças.' Para a rainha Vitória, o facto de amar o marido não significava que tivesse de aceitar, com deleite, as gravidezes sucessivas. (...) A 22 de Novembro de 1840, tendo-a a rainha Vitória interrogado sobre se ela desejava ter mais filhos, D. Maria II respondia-lhe: "Considero que, quando uma mulher se casa, é para ter filhos e, portanto, é natural que os desejemos e, além disso, amo extraordinariamente as crianças".

D. Maria II fazia a distinção tradicional entre o prazer de ter um filho ou uma filha. Quando Vicky, a filha mais velha da rainha Vitória, nasceu, a monarca portuguesa dizia à prima que era uma pena não ter sido antes um rapaz, coisa, aliás, que não tardaria a suceder, com o nascimento do príncipe Alberto Eduardo, a quem seria posto o petit-nom de Bertie. D. Maria preveniu então a prima da eventualidade de Vicky vir a ter ciúmes do irmão, coisa que ela notara em D. Pedro, aquando do nascimento de Lipipi, o diminutivo que a família passara a usar para designar D. Luís.

D. Maria II de Portugal
D. Maria II acabaria por morrer muito nova, a 15 de Novembro de 1853, ao dar à luz o seu décimo-primeiro e último filho que morreu pouco tempo depois. D. Pedro V tinha apenas dezasseis anos e, como ainda era menor de idade, formou-se uma regência encabeçada pelo seu pai, o rei D. Fernando II.

Antes de subir oficialmente ao trono, a 28 de Maio de 1854, D. Pedro V partiu numa viagem educacional pela Europa e o primeiro destino foi a Inglaterra. Na sua biografia de D. Pedro V, Maria Filomena Mónica descreve esta viagem, recorrendo também a excertos do diário que D. Pedro escreveu na altura:

O rei D. Pedro V

"A 2 de Junho, o [barco] Mindelo aportava a Southampton. Eram 11 horas da noite quando D. Pedro recebeu, a bordo, a visita do embaixador português, Lavradio, bem como de diversas personalidades entre as quais o coronel Wylde (ajudante-de-campo do príncipe Alberto), o qual conhecia bem Portugal, por aqui ter estado durante alguns meses ao serviço da coroa britânica. No dia seguinte, os príncipes foram de comboio para uma estação perto de Londres, onde eram aguardados pelo príncipe Alberto, tendo seguido para o Palácio de Buckingham, onde a rainha Vitória os esperava. (...)

Eis como fica registada a recepção aquando da chegada ao palácio real: "Era meio-dia quando entrámos em Buckingham Palace. A rainha e a duquesa de Kent esperavam-nos na escada e, pouco depois, vieram as princesas Vitória, Alice, Helena e Luísa e os príncipes Alberto e Alfredo." Continuava: "Vimos o jardim que é belo pela disposição mais do que pelas suas qualidades intrínsecas." Ao regressarem do passeio, apareceu um criado, anunciando a chegada do duque de Wellington, o filho do general que lutara contra os franceses em Portugal. A seguir, estando presentes alguns dos príncipes ingleses, foram almoçar."

O príncipe Alberto e a rainha Vitória em 1854, ano em que D. Pedro visitou a Inglaterra
D. Pedro começava uma relação - com o tio Alberto - que se viria a revelar extraordinariamente importante. Nesse primeiro dia, o marido da rainha Vitória mostrou-lhe a sua biblioteca, chamando a atenção para a obra sobre a História Natural das Aves da Austrália, de Gauer, que os dois folhearam com prazer. De tarde, D. Pedro foi visitar  a duquesa de Gloucester [Augusta de Hesse-Cassel, nora do rei Jorge III], a duquesa de Cambridge [Maria do Reino Unido, filha do rei Jorge III], e a duquesa de Kent [mãe da rainha Vitória], após o que o coronel Wylde lhe mostrou alguns quadros pertencentes à coroa britânica. "

Nos dias seguintes, D. Pedro foi visitar outros locais do país.

"Após esta incursão, regressou a Londres, onde o conde de Lavradio o esperava na estação. A 1 de Julho foi passear, a cavalo, com o tio, em Hyde Park e, à noite, ao teatro inglês, onde assistiu a uma peça que não passou à história, após o que se despediu dos membros da família real e dos portugueses residentes em Londres. Eram 6 horas da manhã do dia 3 de Julho quando o Mindelo saiu de Woolwich, a caminho da Bélgica. Passara um mês inteiro em Inglaterra, o país que viria a ocupar o topo das suas preferências."

D. Pedro V
A influência da família real britânica voltaria a revelar-se essencial alguns anos depois, quando D. Pedro V procurava uma esposa. O príncipe Alberto foi uma das pessoas que mais insistiu com o jovem para se casar, como revela Maria Filomena Mónia:

"O príncipe Alberto, para já não mencionar pessoas cuja opinião lhe mereciam menos crédito, chamou-lhe várias vezes a atenção para a necessidade de não adiar o projecto. A 25 de Outubro de 1856, dissera-lhe solenemente: "Falta-te uma rainha que assuma a parte feminina da tarefa". A 30 de Janeiro de 1857, insistia: "O celibato tornar-se-á tanto mais perigoso quanto mais se evidenciarem as diferenças, nos gostos e nas ideias, entre filho e pai. Assim, como actualmente estão as coisas, depressa o centro da família se perderá de vez e, sem este, não é possível manter uma família unida." Acrescentava: "A rainha devia ser jovem, bonita, pura, bem educada e instruída, não ser beata nem mimada" (...)

Em 1857, o rei aceitou o destino que lhe estava destinado. Os soberanos ingleses ofereceram-se para o ajudar na difícil selecção da noiva. As casas reinantes reputadas não libertavam, de bom grado, uma filha a fim de casar com um monarca de um país economicamente atrasado, politicamente instável e geograficamente distante. Uma primeira tentativa, a de Carlota de Saxe-Coburgo, a filha do rei da Bélgica (que viria a desposar Maximiliano, o futuro imperador do México), não resultou. A rainha Vitória e o príncipe Alberto pensaram então em Estefânia, um membro da família real da Prússia. Tinha um bom currículo: era filha do príncipe Carlos António de Hohenzollern-Sigmaringen e da princesa Josefina Frederica, filha do grão-duque de Baden, Carlos Luís Frederico.

A rainha D. Estefânia e D. Pedro V
A 29 de Março de 1857, o príncipe Alberto escrevia ao sobrinho: "Terias a vantagem de ficares com uma princesa católica, oriunda de uma casa protestante e liberal e com sangue completamente novo, não conspurcado com misturas de Bourbons ou Habsburgueses, além de ela ter gozado de uma educação simples, não estragada pelos incensos da Corte." (...) A certa altura, D. Pedro até conseguiu fingir que estava contente, escrevendo a Vicky, a filha mais velha da rainha Vitória: "Talvez já seja tarde, mas nem por isso respondo com um sentimento de gratidão menos sincero à tua amável carta de 5 de Agosto, na qual me envias os teus parabéns pelo pedido da minha noiva." (...)"

Infelizmente, a rainha D. Estefânia acabaria por morrer apenas dezoito meses depois do casamento, a 17 de Julho de 1859, com apenas vinte-e-dois anos de idade, de Difteria. Uma vez que tinham sido eles a escolher a noiva, o príncipe Alberto e a rainha Vitória ficaram muito abalados com a notícia.

A rainha Dona Estefânia
"Os reis ingleses ficaram sinceramente impressionados com a notícia. No próprio dia em que Estefânia morrera, a rainha Vitória escrevia à filha Vicky, a viver na Prússia: "Pedro é um filho nosso. Fomos nós que arranjamos este casamento para ele, fomos nós que encontrámos esta pérola e, agora, tudo desapareceu - nem sequer existe uma criança como herdeira deles. Estou alarmada com o estado de espírito dele. O querido papá está muito deprimido. E toda a gente fala dele com lágrimas nos olhos." Alguns dias passados, a 3 de Agosto de 1859, a rainha contava, ainda a Vicky, ter recebido uma carta comovedora do rei D. Pedro: "Realmente despedaça-nos o coração e faz-nos pensar a razão pela qual acontecem coisas tão horríveis! O seu destino é tão penoso e inquietante. Desejaria fazer qualquer coisa por ele, pobre rapaz, tudo é horrível. Tanto mais que, dentro de poucos anos, o país esperará que case outra vez. Onde encontrar alguém minimamente adequado para suceder áquele anjo?" (...)

Tão triste andava que levou algum tempo antes de responder às cartas que a tia Vitória lhe mandara. Só a 16 de Fevereiro lhe escreveria, começando exactamente por pedir perdão: "Vossa Majestade tentou aliviar os meus sofrimentos. Não penseis contudo que todo este intervalo de tempo tenha sido para mim um tempo de repouso. Nos últimos tempos, assaltaram-me todo o tipo de preocupações, sobretudo políticas, pelo que o meu espirito ainda não saiu da convalescença, sempre sofrendo profundamente, desencorajado pelo espectáculo de tudo o que rodeia, incerto sobre o meu futuro e sobre o que me acontecerá, é-me muito difícil encontrar, na minha força de vontade, a capacidade para executar a minha difícil profissão. O bem, que o tempo acaba por nos trazer, é sempre e infalivelmente destruído pelos assuntos e pelas lembranças constantes do meu passado tão recente e tão feliz. Trata-se de uma luta contínua entre o corpo e o espirito, da qual, se a calma e o repouso me continuarem a ser negados, um terá de sair vencido." Continuava com um lamento: "A Estefânia resumia todas as minhas ambições, ela tinha tudo o que eu amava no mundo e levou tudo isso com ela!" Menos aberto com a tia do que com o tio, voltaria, no entanto, a escrever-lhe a 30 de Janeiro de 1861, pedindo mais uma vez desculpa no atraso, atribuível, como dizia, ao ciclo alternado de actividade intensa e tranquilidade estéril, a que o governo de Loulé o forçava."

D. Pedro V
Tragicamente, D. Pedro V acabaria por morrer apenas dois anos depois da sua esposa, a 11 de Novembro de 1861, de febre tifóide, quando tinha apenas vinte-e-quatro anos de idade. 

"Na família real inglesa, a morte de D. Pedro foi profundamente sentida. A 12 de Novembro, Vitória escrevia ao seu tio Leopoldo o seguinte: "É um acontecimento quase incrível. E uma perda verdadeiramente europeia! Ele estava tão ligado ao meu amado Alberto, e os temperamentos e os gostos de ambos de tal forma se adequavam e ele tinha tal confiança no Alberto..." A 14, o príncipe Alberto escrevia ao seu tutor, Stockmar: "Você conhece o meu amor por Pedro e a forma como, através da troca de ideias, tentámos ambos trabalhar pelo progresso daquele infeliz país [Portugal]", o que, na prática, o tornara quase um co-regente de Portugal. Na véspera, em carta à filha mais velha, Vicky, dizia lamentar a morte de alguém que poderia ter defendido com integridade o principio monárquico, ajudando desta forma "um povo desgraçado". Alguns dias depois, a 16, Vitória dizia a Vicky: "Foi um golpe terrível para nós - e para o querido papá, que nele tinha encontrado alguém totalmente digno dele, enquanto que, por outro lado, infelizmente, não encontrou [esse consolo] junto de quem mais se esperava e de quem tanto se queria [o príncipe de Gales]. Entretanto, anotava no seu diário: "O meu Alberto tinha muito orgulho nele e amava-o como um filho (tal como me sucedia no meu caso) e ele tinha uma confiança total em Alberto e era digno dela."

D. Pedro V
Texto retirado maioritariamente do livro "D. Pedro V" de Maria Filomena Mónica
Para consultar todas as cartas trocadas entre D. Pedro V e o príncipe-consorte Alberto de Inglaterra, existe o livro "Correspondência entre D. Pedro V e o seu tio, o Príncipe Alberto" também compilado por Maria Filomena Mónica e "Cartas de D. Pedro V ao Príncipe Alberto", compilado e traduzido por Rubén Andersen Leitão.

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