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quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Helena Pavlovna: Um Sacrifício Inútil? - Segunda Parte

Helena Pavlovna
A grã-duquesa Helena estava a criar um salão no Palácio de Mikhail em São Petersburgo e nos palácios de verão do marido, semelhante aos que tinha conhecido em Paris na sua juventude, atraindo para junto de si as pessoas mais criativas e interessantes da Rússia. Ela era uma das senhoras com a posição mais elevada no país e a sociedade não gostava do facto de o dinheiro e a posição não serem critérios importantes para entrar no circulo da grã-duquesa. Apenas eram convidadas as pessoas mais inteligentes, artistas e músicos e a censura rígida importa pelo seu cunhado Nicolau I também não tinha permissão para entrar na sua porta. Gogol, Pushkin e Turgenev foram alguns dos escritores apoiados por Helena e sabiam que podiam expressar qualquer ideia na casa dela sem medo de represálias e com uma audiência atenta e ansiosa por ouvi-los.

Helena Pavlovna com a sua filha mais velha, Maria
À medida que a confiança de Helena foi aumentando, foi-se dedicando cada vez mais às pessoas que precisavam de ajuda. Tornou-se uma grande amiga dos dois filhos mais velhos do czar, Alexandre e Constantino, e apresentou-lhes novas ideias que eles nunca poderiam ouvir em casa. Quando a princesa Maria de Hesse-Darmstadt, a noiva do czarevich Alexandre Nikolaevich, chegou à Rússia muito tímida, infeliz e com apenas quinze anos, Helena, que compreendia perfeitamente o que significava ser uma estranha na corte, tornou-se rapidamente sua amiga. Helena tinha um carinho especial pelo segundo filho do czar, o grão-duque Constantino Nikolaevich e, quando chegou a altura de ele se casar, foi ela que sugeriu a princesa Alexandra de Saxe-Altemburgo, uma prima sua do lado da mãe, para sua noiva. Os dois acabariam mesmo por se casar e a princesa Alexandra adoptou o nome de grã-duquesa Alexandra Iosifovna quando se converteu à Igreja Ortodoxa.

Helena Pavlovna
Mas, apesar de estar a ganhar cada vez mais confiança, Helena também sofreu muitas tristezas durante estes anos. No início de 1844, a sua filha Isabel Mikhailovna casou-se com o enteado da sua irmã Paulina, o duque Adolfo de Nassau. Isabel morreu um ano depois, depois de dar à luz um bebé que também não sobreviveu. No ano seguinte, o estado de saúde da sua filha mais velha também começou a deteriorar-se. A grã-duquesa Maria Mikhailovna nunca tinha tido uma constituição forte. Estava em Viena quando chegou o seu fim e parece que o pai estava com ela, uma vez que foi ele que deu a notícia à família. Nas cartas que o grão-duque trocou com a família, apenas de fala da dor que ele sentia por ter perdido duas das suas filhas. Não existe qualquer referência a Helena. Este facto pode reflectir apenas o antigo laço que existia dentro da "Triopatia" ou pode mostrar grandes divisões dentro da família de Miguel. No verão de 1849, o grão-duque Miguel estava a participar em manobras do exército em Varsóvia quando sofreu uma apoplexia. Morreu na Polónia alguns meses depois e, mais uma vez, nem a grã-duquesa Ana nem o czar Nicolau I fizeram qualquer referência à sua cunhada.

A grã-duquesa Maria Mikhailovna
Independentemente do que tivesse sentido com a morte do marido, o estatuto de viúva deu mais independência a Helena. Deixou de comemorar a Páscoa na corte e passou a preferir estar no seu próprio palácio com a sua única filha ainda viva, a grã-duquesa Catarina Mikhailovna. A partir desse momento, passou a lidar com a família imperial nos seus próprios termos. Catarina casou-se com o duque Jorge de Mecklemburgo-Schwerin em 1851, mas ele gostava da Rússia e não se importava que a sua esposa passasse grande parte do ano com a mãe. A família rodeava-se de pessoas interessantes. em 1848, o músico Anton Rubinstein foi a São Petersburgo e ficou alojado no Palácio de Mikhail. Com a sua ajuda, Helena criou o que se viria a tornar, no futuro, o Conservatório de São Petersburgo. Cinco anos depois, convidou a princesa Kurakin para ser sua dama-de-companhia. A princesa tinha passado catorze anos fora da Rússia, tinha assistido à Revolução de 1848 em Paris e trazia consigo novas ideias para a casa.


Helena Pavlovna
A educação das mulheres era um dos maiores interesses de Helena que costumava perguntar aos filhos da princesa Kurakin sobre os seus estudos em Paris. Enviou também a antiga governanta da sua filha, Mademoiselle Troubat a França para que ela observasse como era a educação no país e para reportar os desenvolvimentos que tinha visto. Helena sonhava em melhorar os padrões de educação de todas as mulheres russas, um sonho que partilhava com a jovem czarevna Maria Alexandrovna. A sociedade não via com bons olhos a amizade entre a grã-duquesa e a nova geração de Romanovs: ela gostava demasiado de reforma e as suas ambições iam muito além das salas de aula.


Helena Pavlovna
Sob a protecção de Helena, os intelectuais russos tinham a liberdade de expressar o seu descontentamento cada vez maior com o sistema de propriedade fundiária que fazia com que um homem se tornasse propriedade de outro. O trabalho controverso de Samarin sobre a abolição da servidão foi lido e discutido na sala-de-visitas do Palácio de Mikhail, e Helena ficou de tal forma comovida que pediu permissão ao czar para libertar os servos que tinha herdado do marido. Nicolau I recusou. Mesmo assim, Helena começou a gerir as propriedades com linhas de orientação mais humanitárias que horrorizaram o governador provincial, que se queixou que se iria perder toda a disciplina.


Este tipo de preocupações ficou para trás quando rebentou a Guerra da Crimeia. Helena não se juntou ao coro de vozes que criticavam o czar e colocou de lado o amor que sentia pela França. Organizou uma sociedade de recolha de fundos privada para ajudar os feridos e criou uma ordem de enfermeiras, apesar das fortes criticas por parte da hierarquia militar. O czar confiou nela e deu-lhe o que ela queria, tendo concordado com o pedido dela para a criação de uma comissão no exército para Pirogov, um dos mais respeitados cirurgiões da época. A ordem de enfermeiras de Helena tornou-se a precursora da Cruz Vermelha na Rússia, e o seu interesse pela área médica e cientifica aumentou.


Com a morte de Nicolau I, o novo reinado deu-lhe a oportunidade de levar a cabo mudanças políticas efectivas. Finalmente conseguiu libertar os servos nas suas propriedades de Poltava e os seus salões passaram a dedicar-se completamente à causa da abolição. A grã-duquesa conhecia Alexandre II desde que ele era apenas uma criança e agora encorajava-o nos seus planos para a reforma do país apoiada também pelo grão-duque Constantino Nikolaevich e pela sua amiga, a nova czarina Maria Alexandrovna. Os quatro faziam uma equipa extraordinária. Sozinho, Alexandre poderia nunca ter tido a força para levar a cabo as políticas mais exigentes, mas quando os ministros conservadores de Alexandre estavam prestes a vencê-lo, Helena apresentou o sobrinho de Kisselev, Nikolai Milutin, a Maria Alexandrovna e conseguiu colocá-lo no comité que estava a trabalhar na libertação. Com Milutin e Constantino a seu lado, Alexandre conseguiu levar a reforma até ao fim. A abolição da servidão, que se tornou lei a 3 de Março de 1861, foi a grande feito do reinado de Alexandre II, mas é possível que ele nunca o tivesse conseguido sem a ajuda do irmão, da esposa e da tia. A oposição era feroz. Helena dava de tal forma importância à sua amizade com Milutin que as pessoas que estavam dispostas a tudo para travar a emancipação tentaram destruí-la, espalhando rumores que os dois partilhavam mais do que amizade e interesse por política. Helena ignorou-os.

Constantino Nikolaevich
O mundo que Helena criou depois da sua experiência de casamento horrível era um mundo de mulheres. A sua vida era dedicada à sua filha e às suas criadas. Interessava-se sinceramente pelas suas vidas e ideias e era sempre gentil com os seus filhos. A sua mão direita era a sua dama-de-companhia, a baronesa Editha von Rahden, que partilhava as suas preocupações, a mantinha informada e tratava da correspondência. A baronesa era encantadora, entusiasmada, inteligente e muito gentil. Tinha tempo para todos, embora a sociedade a olhasse um pouco de lado por levar a etiqueta demasiado a sério. Dizia-se que as vénias dela eram mais fundas do que as de qualquer outra pessoa. Os homens só podiam entrar neste circulo encantador se fossem convidados. Helena mantinha uma certa distância à sua volta que desencorajava informalidades. No seu diário, Kisselev descreveu-a como "uma mulher de grande inteligência e com um coração de ouro. Não dava a sua amizade facilmente, mas, quando o fazia, era inabalável como uma rocha (...) nunca faz conversa de circunstância, só tem conversas profundas. Todos os que a conhecem fica admirado com a vastidão da sua sabedoria".

Helena Pavlovna
O salão no Palácio de Mikhailov era o local mais procurado na época e ainda não era possível comprar a entrada, algo que não era bem visto. As noites de quinta-feira eram dedicadas a encontros entre artistas e cientistas; noutros dias organizavam-se jogos de debates ou festas, e havia sempre música. Ocasionalmente, Helena encomendava traduções de livros. Alexandre II não perdeu uma única leitura das memórias da baronesa Oberkirchen, que tinha acompanhado os seus avós a Versalhes na época de Maria Antonieta. Constantino Nikolaevich também aparecia com frequência. Havia ainda muito que não tinham perdoado Helena e Constantino pelo papel que tinham desempenhado na libertação dos servos e começaram a espalhar rumores de que os dois tinham planos para roubar o trono a Alexandre. Em tempos mais dourados, os rumores eram ignorados, mas deixaram sempre uma sombra sobre tia e sobrinho que nunca desapareceu completamente.

Alexandre II
Na primavera de 1862, Helena encontrou uma nova função para o Palácio de Mikhail. Os revolucionários tinham incendiado vastas zonas da cidade, tendo causado dezenas de mortos, feridos e desalojados. A princesa transformou metade do palácio numa cantina e outras pessoas seguiram-lhe o exemplo. Era típico de Helena ter uma abordagem prática quando ocorriam tragédias nacionais, e também quando havia tragédias mais particulares.Quando uma das damas da sua filha, uma jovem princesa Kurakin, entrou em depressão devido à morte do irmão, Helena colocou-a à frente de lar para senhoras idosas que ela tinha acabado de abrir. Depois, trabalhou ao lado da jovem, ajudou-a a lidar com os problemas do dia-a-dia, e a aprender mais sobre ela própria no processo. Também oferecia a sua ajuda sem problema a pessoas que não conhecia: sem publicidade nem alarido, pagou pensões a vários artistas e músicos em quem reparava, para que eles pudessem continuar o seu trabalho.


Catarina Mikhailovna, filha de Helena Pavlovna, com o seu marido, Jorge de Mecklemburgo-Strelitz com os seus dois filhos mais velhos: Helena e Jorge
À medida que o tempo ia passando, Helena começou a passar cada vez mais tempo a viajar pela Europa, e, em 1863, encontrou um novo interesse. Durante uma visita à sua irmã Paulina, conheceu a princesa Isabel de Wied, a neta por afinidade da sua irmã, que na altura tinha dezanove anos de idade. Isabel era uma jovem que tinha os horizontes mais largos do que outras da sua idade: era inteligente e artística, profundamente emocional e extremamente ligada à sua casa. Helena perguntou se podia levar a princesa consigo nas suas viagens, e a família dela ficou encantada. Nesse outono, Helena viajou com ela até ao Lago Lemano e as duas ficaram alojadas no Hotel Beaurivage em Ouchy. Isabel ficou eternamente grata pela simpatia da grã-duquesa. "Gosto cada vez mais da minha tia", escreveu ela à sua mãe. "Fico feliz por poder estar ao pé dela e, quando ela sai, estou sempre a pensar nela".

Isabel de Wied
Juntas, continuaram a viagem até São Petersburgo para o inverno. A família imperial recebeu-a com alegria e Helena certificou-se de que a sua protegida aproveitava bem o tempo. "O dia dela está preenchido com música, leitura, estudo de russo e com o tempo que ela passa comigo", a grã-duquesa contou à princesa de Wied, "Também a tenho incentivado a ter sempre um bom livro à mão. Para aumentar o interesse dela e incentivá-la a trabalhar sozinha, aconselhei-a a transcrever passagens e a comentá-las e depois enviá-las para ti. Quer estejamos aqui ou em qualquer outro lugar do mundo, não nos podemos esquecer que vamos deteriorando se não tentarmos fugir da frivolidade que afecta este mundo através do pensamento e da leitura". Isabel teve aulas de piano com Anton Rubinstein e Clara Schumann. Às segundas-feiras à noite, ia à opera com Helena, às quintas-feiras lia-se Shakespeare e os jantares dançantes concluíam a semana. O palácio enchia-se de música maravilhosa. Depois, quando Isabel adoeceu, Helena cuidou dela, com a ajuda da sua filha Catarina e da baronesa Rahden. O príncipe de Wied morreu enquanto Isabel estava doente, mas ela decidiu ficar na Rússia até ao verão seguinte, quando Helena a levou de volta para casa.

Isabel de Wied
Durante os três anos seguintes, Isabel acompanhou a sua tia-avó sempre que ela viajou pela Europa. Quer a grã-duquesa esteve a jogar jogos com o general Moltke em Ragaz, a organizar encontros intelectuais em Carlsbad ou a visitar a Grande Exposição em Paris, Isabel estava sempre ao seu lado. Foi em Ragaz, em 1866, que a jovem princesa ficou a saber que estavam a decorrer negociações para o seu casamento com o príncipe Carlos de Hohenzollern-Sigmaringen, que, um dia, se tornaria rei da Roménia e seu marido.

Isabel de Wied, Carlos da Roménia e a sua única filha, Maria
Os últimos anos de Helena foram ocupados com a sua filha, os seus três netos de Mecklemburgo e os seus interesses. A sua ordem de enfermeiras estava a florescer e ela já tinha aberto um hospital, mas mesmo assim sentia que não era suficiente- Sonhava com a criação de uma instituição médica maior e fez planos para isso. Embora não tenha vivido para ver esses planos concretizarem-se, o Instituto da Grã-Duquesa Helena Pavlovna formou alguns dos melhores médicos da Rússia e manteve o seu nome vivo até à Revolução Russa. Helena evoluiu muito desde a jovem infeliz de dezassete anos que tinha perdido o gosto de viver. Alguns dizem que ela era convencida, mas são poucos. Tornou-se importante para o seu país graças, em grande parte, aos seus próprios esforços e as agonias do passado dissiparam-se, tornando-se apenas em histórias que contava à lareira para encorajar as jovens mais novas quando as suas vidas pareciam vazias e sem esperança.

Helena Pavlovna
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

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