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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Helena Pavlovna: Um Sacrifício Inútil? - Primeira Parte

Helena Pavlovna, nascida princesa Carlota de Wuttemberg
Um dia, nos primeiros anos do século XIX, estava uma jovem sentada à janela no Palácio de Inverno. Entre lágrimas, olhava as águas cinzentas e agitadas do rio Neva e o que mais queria era não sentir nada. A grã-duquesa Helena Pavlovna tinha dezassete anos, estava presa num casamento com um homem que não mostrava qualquer sinal de afecto ou até interesse nela, e os anos pareciam infinitos, sem esperança e vazios. O czar entrou na divisão onde ela estava, mas a grã-duquesa desviou o olhar. Alexandre I não precisou de perguntar o que se passava; sentou-se ao lado de Helena e começou a contar-lhe um pouco da história da sua vida, dos seus próprios problemas, esperanças e medos. "Não somos donos de nós mesmos", disse ele, "não passamos de ferramentas nas mãos de Deus, destinados a cumprir a vontade Dele; somos o meio que Ele escolheu. A nossa felicidade resume-se a seguir o Seu chamamento, só assim podemos praticar o bem". Foi um conselho pouco reconfortante, mas Helena ficou comovida com a bondade dele e iria recordar este episódio como o ponto de viragem na sua vida. Na verdade, as coisas iriam piorar muito mais antes de ela conseguir sentir alguma melhora.

Helena Pavlovna
Para casar com um membro da família Romanov, Helena tinha deixado tudo para trás, incluindo o seu nome. Dois anos antes desta conversa com o czar, era simplesmente a princesa Carlota de Wuttemberg, e vivia com o pai e a irmã em Paris. As duas princesas viviam de forma muito modesta, sendo responsáveis por costurar as suas próprias roupas, e estudavam num instituto. Foi lá que conheceram Miss Walter, uma parente do conhecido paleontologista e anatomista Georges Cuvier. Carlota e a irmã passaram muitos serões em casa de Cuvier, na companhia do seu pai, o príncipe Paulo, e estudaram sob a orientação deste grande homem, ao mesmo tempo que ouviam as conversas intelectuais que se trocavam à mesa dele. Foi para conseguir este tipo de vida intelectual que Paulo tinha deixado a sua cidade natal de Estugarda em 1815, tendo-se mudado para Paris com as suas filhas mais novas porque achava que a vida na capital francesa era mais apelativa.

Paulo de Wuttemberg, pai de Helena
Em casa, em Wuttemberg, tinha deixado a sua esposa e dois filhos, além de um legado amargo. A família Wuttemberg não apoiava a sua decisão de se mudar para Paris. Deram-lhe ordens para regressar a casa para que as suas filhas pudessem ser educadas de forma mais adequada às suas posições, mas o príncipe desafiou-os. Os Romanov estavam convencidos de que a infância e adolescência de Helena tinham sido infelizes. Os únicos pormenores sobre estes anos da sua vida vêm das histórias que ela contou mais tarde às suas criadas, mas, aí, não há sinais de infelicidade. É possível que só se lembrasse daquilo que queria. Helena contou-lhes histórias da sua vida em Paris e sobre os seus estudos com Cuvier, falou-lhes também do seu pai, que recordava com carinho, mas nunca mencionou a sua mãe nem Estugarda. A princesa Isabel Kurakin, cuja mãe era uma das damas-de-companhia da grã-duquesa, achava até que Helena tinha perdido a mãe muito nova quando, na verdade, a sua mãe só morreu quando ela tinha mais de quarenta anos. É provável que o grande casamento de Helena com um grão-duque russo tenha sido a forma que a família real de Wuttemberg encontrou para recuperar a sua autoridade.

Carlota de Saxe-Hildburghausen, mãe de Helena Pavlovna
Helena conheceu o marido no verão de 1822, mas o noivado já tinha sido arranjado vários meses antes do encontro. O noivo era o grão-duque Miguel Pavlovich, o irmão mais novo do czar Alexandre I, e o seu único interesse era o exército. Os homens comuns no exército viam-no como um disciplinário exigente, até brutal, mas as pessoas que o conheciam verdadeiramente gostavam dele pela sua boa-disposição e generosidade e toda a família o adorava. Pouco antes deste encontro, Miguel nunca tinha mostrado grande interesse em casar-se, e a única preocupação da sua mãe tinha sido a falta de princesas adequadas para o filho. Aparentemente, nunca se lembrou de Carlota, o que era estranho, uma vez que ela era também uma princesa de Wuttemberg e o príncipe Paulo era seu sobrinho e, além de ter nascido em São Petersburgo, tinha recebido o nome em homenagem ao seu marido, o czar Paulo I.

O grão-duque Miguel Pavlovich
No entanto, depois de o noivado ser confirmado, começaram a chegar relatos encorajadores sobre a noiva a São Petersburgo. Diziam que Carlota era excepcional, muito madura para os seus quinze anos de idade, e, embora não fosse propriamente bonita, tinha um rosto doce e expressivo. A princesa viajou para norte em Agosto de 1823 e Miguel foi ter com ela à fronteira de cavalo. Ficou impressionado com a postura e aparente confiança dela e impressionado quando a ouviu cumprimentar os oficiais em russo. Na festa de recepção que foi dada em sua honra, Carlota encantou os duzentos convidados quando falou com cada um deles pessoalmente. Disse ao historiador Nikolai Karamzin que tinha lido o seu volume mais recente em russo e, quando foi apresentada aos generais, o seu tema de conversa mudou para batalhas e estratégia. Os ensinamentos de Cuvier tinham-lhe dado um nível de cultura e inteligência que ninguém estava à espera de encontrar numa jovem de dezasseis anos. Uma princesa a entrar na casa do seu novo marido devia ser doce, infantil e inocente, branda o suficiente para se poder adaptar aos hábitos da família e do país. Esta princesa já tinha uma personalidade própria muito forte.

Retratos do grão-duque Miguel Pavlovich, da sua mãe, a czarina Maria Feodorovna e da sua esposa, a grã-duquesa Helena Pavlovna
À medida que as semanas foram passando, foram aumentando os elogios às qualidades invulgares de Carlota. Sabia conduzir bem as cerimónias da corte, dançava de forma muito bonita, o seu feitio era adequadamente reservado. Era tudo uma fachada: em privado, os seus períodos estavam atrasados e sofria fortes dores de estômago; quando participou pela primeira vez numa missa ortodoxa, ficou pálida, a suar e quase desmaiou, mas esforçou-se por aguentar até ao fim. Os sinais de perigo já existiam: Maria Feodorovna reparou que o filho não dava atenção nem era carinhoso com a esposa, mas tentou ignorar o problema o mais possível, por acreditar que ninguém poderia ser infeliz com o seu Miguel. Houve apenas uma pessoa na família que viu a situação com clareza. O grão-duque Constantino Pavlovich conhecia bem o irmão e o resumo que deu da situação era assustador: "O casamento", escreveu ele, "é um acessório que ele podia ter dispensado sem grande problema".

Constantino Pavlovich
Antes de Carlota viajar até São Petersburgo, Constantino tinha tentado convencer Miguel a romper o noivado. Também tinha falado com a mãe e com uma das irmãs, mas ninguém lhe quis dar ouvidos. O assunto começou a avançar demasiado. Carlota converteu-se à Igreja Ortodoxa a 17 de Dezembro de 1823 e adoptou o nome de Helena Pavlovna: o seu nome de baptismo nunca mais voltaria a ser utilizado. O seu noivado foi celebrado oficialmente no dia seguinte e a princesa usou um vestido de veludo azul com uma cauda comprida, bordada com rosas e folhas prateadas, e um diadema de esmeraldas. Estava magnifica. A 20 de Fevereiro de 1824, Helena e Miguel casaram-se numa capela temporária que tinha sido erguida na sala de recepção do czar. Alexandre estava com dores na perna, mas a família nunca considerou sequer a hipótese de realizar o casamento sem ele.

Helena Pavlovna
Quinze dias depois, já havia problemas no casamento. Miguel dizia estar feliz, mas não fazia ideia do que era preciso fazer para manter um casamento. "Apesar do facto de até poder amar a esposa", escreveu Constantino à sua irmã Ana, "continua a tratá-la com frieza e indiferença. Não consigo perceber se o faz por ser uma situação nova, por timidez ou por qualquer outro motivo". Constantino gostava de Helena. Via que, atrás das suas conversas inteligentes e divertidas, ela era uma pessoa muito sensível, e tentou mudar a atitude do irmão, mas sem sucesso. Em Abril, o grão-duque Nicolau (futuro czar Nicolau I) escreveu que Miguel se estava "a esforçar muito para ter filhos, mas parece que não tem conseguido". Mais optimista do que o irmão mais velho, Nicolau nunca viu a tempestade que se escondia por baixo da superfície.

Miguel Pavlovich
Helena deu à luz a primeira filha, a grã-duquesa Maria Mikhailovna, em Março do ano seguinte. Poucos meses depois, já estava grávida novamente. A czarina-viúva, que ainda queria acreditar que tudo correria pelo melhor, elogiou a disciplina da sua nora: "ela organiza o tempo que tem muito bem. Passa as manhãs inteiras a estudar, apesar de ter náuseas e vómitos". As mortes de Alexandre I e da sua esposa nesse inverno fizeram com que Helena perdesse os seus amigos mais chegados na família imperial. Com a chegada da primavera, foi enviada para Moscovo, para dar à luz mais uma menina a quem chamou Isabel, em honra do czarina que tinha morrido alguns meses antes. Juntou-se uma multidão no Kremlin para celebrar a ocasião e todos cantaram um Te Deum, mas, afastada das comemorações, Helena sofreu de febre do leite e de dores pós-parto durante várias semanas. Na mesma altura, havia relatos de que, na mesma altura, Miguel estava muito bem disposto e cheio de trabalho.

Helena Pavlovna
No início do ano seguinte, Helena estava grávida novamente e, mais uma vez, a sofrer. A sua primeira filha começava a mostrar os primeiros sintomas de tuberculose e os médicos davam-lhe poucas hipóteses de sobreviver. A sua terceira filha, Catarina, nasceu em São Petersburgo no verão de 1827, e, desta vez, Helena não conseguiu recuperar dos efeitos do parto. Física e psicologicamente, já não tinha mais forças. O seu comportamento começou a ser cada vez mais criticado e, finalmente, a grã-duquesa atingiu o seu limite. Decidiu que o seu casamento já não tinha salvação, mas, quando pediu ajuda à sua família paterna, eles fecharam-lhe as portas. A mãe, o tio (o rei de Wuttemberg), a avó, até o pai em Paris, recusaram-se a ajudá-la. O casamento, apesar de horrível, continuava a ser um casamento. A família imperial permitiu apenas uma separação temporária. Enquanto Miguel partiu com o exército para lutar numa das guerras intermináveis da Rússia contra a Turquia, Helena viajou para sul, para um spa em Ems, deixando as suas filhas com a czarina-viúva.

Isabel, Maria e Catarina Mikhailovna, filhas de Miguel Pavlovich e Helena Pavlovna
A caminho do spa, Helena fez uma paragem no palácio de Constantino Pavlovich em Varsóvia e o grão-duque ficou chocado com o estado dela e zangado por ninguém ter prestado atenção aos seus avisos. Escreveu numa carta à irmã que "temos de concordar que esta jovem e encantadora mulher foi sacrificada de forma gratuita e inútil. A sua posição é assustadora (...) e o pior de tudo é que ninguém se quer colocar no lugar dela para a poderem compreender. A minha esposa e eu fizemos os possíveis para a tentar animar, que estava muito baixa". A grã-duquesa Ana Pavlovna concordou: "Também sinto que ela é uma pessoa nobre - completamente sacrificada - que, na minha opinião, só padece destes pequenos defeitos de que é acusada porque foi provocada ou está magoada por causa desta sucessão de dificuldades sem fim que não consegue aceitar porque é demasiado alegre e demasiado nova para isso." Ambos os irmãos esperavam que, agora que Helena tinha deixado a sua posição mais clara, que Miguel a respeitasse mais e que começasse a dar valor à sua vida como casal. Esta parecia ser a sua única oportunidade.

Ana Pavlovna da Rússia, rainha dos Países Baixos
Helena ficou afastada da Rússia durante pelo menos um ano. A czarina-viúva morreu e, no seu testamento, deixou uma ajuda para que a sua nora pudesse adaptar-se melhor à vida na corte russa, tendo-lhe deixado a administração de duas instituições caritativas. Havia alguma preocupação com a forma como Miguel Pavlovich iria gerir as suas finanças, por isso a sua mãe decidiu proteger o dinheiro, colocando uma boa parte dele num banco, ao qual Miguel não tinha acesso. O casal tinha trocado cartas durante o seu período de separação, e tinham conseguido chegar a uma espécie de acordo de paz: Helena regressou à Rússia e, no início de 1830, sofreu um aborto. Teve mais duas filhas, Alexandra e Ana, mas ambas morreram muito novas. Na primavera de 1835, Miguel e Helena levaram as filhas para um spa na Boémia, mas o casal não estavam habituados a estar juntos. Depois disso, Miguel começou a passar cada vez mais tempo em viagens pela Europa, enquanto que Helena começou a construir a sua própria vida em São Petersburgo, uma vida na qual não havia espaço para Miguel.

Miguel Pavlovich

Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

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