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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Hemofilia na Família Real (Segunda Parte)

Alexandra com o pai, Luís, as irmãs Isabel e Vitória, o cunhado Sérgio Alexandrovich, o irmão Ernesto e a sobrinha Alice (mãe de Filipe, duque de Edimburgo) por volta de 1886.
A imperatriz Alexandra tinha um ano quando Frittie morreu e doze anos quando o seu tio Leopoldo morreu da mesma doença. Nenhuma destas tragédias a afectou directamente. O seu primeiro contacto relevante com a hemofilia deu-se quando a doença foi diagnosticada a dois dos seus sobrinhos, filhos da sua irmã Irene e do marido, o príncipe Henrique da Prússia. Um dos rapazes, Henrique, o mais novo, terá morrido em 1904 devido a uma hemorragia quando tinha quatro anos de idade, pouco antes do nascimento de Alexei. Durante o seu curto tempo de vida, a sua doença não foi revelada ao público, provavelmente para esconder o facto de que a hemofilia tinha surgido na família imperial da Alemanha [Henrique era irmão do kaiser Guilherme II]. O irmão mais velho, o príncipe Valdemar, viveu até aos cinquenta-e-seis anos de idade, mas também morreu devido a uma hemorragia.
Alexandra com a irmã Irene, o cunhado Henrique da Prússia e o sobrinho mais velho, Valdemar.
Em circunstâncias normais, o facto de o seu tio, o seu irmão e os seus sobrinhos sofrerem de hemofilia deveria ter sido um indicador de que ela era também portadora do gene que provocava a doença. Há muito que se conhecia o padrão genético da hemofilia: tinha sido descoberto em 1803 pelo Dr. John Conrad Otto de Filadélfia e confirmado em 1820 pelo Dr. Christian Nasse de Bonn. Em 1865, o monge e botânico austríaco Gregor Johann Mendel formulou a sua lei genética, tendo por base um estudo de vinte-e-cinco anos recorrendo ao cruzamento de ervilhas caseiras. Em 1876, um médico francês chamado Grandidier declarou que "todos os membros de famílias com hemofilia devem ser aconselhados a evitar o matrimónio." E, em 1905, um ano após o nascimento de Alexei, o Dr. M. Litten, natural de Nova Iorque, adquiriu experiência suficiente com a doença para escrever que os rapazes hemofílicos deviam ser vigiados enquanto estivessem a brincar com outras crianças e que não deviam ser disciplinados com castigos físicos. "Os hemofílicos que tenham possibilidades económicas," acrescentou, "devem exercer uma profissão erudita; se estiverem na escola, os duelos estão proibidos."

Então, por que motivo foi um choque tão grande para Alexandra saber que o filho sofria de hemofilia?

Alexei Nikolaevich
Um dos motivos sugeridos pelo falecido geneticista britânico J. B. S. Haldane é o de que, embora o padrão genético já fosse conhecido entre a comunidade cientifica, esse conhecimento nunca chegou aos círculos fechados das cortes europeias: "É provável," escreveu Haldane, "que Nicolau soubesse que a sua noiva tinha irmãos hemofílicos, apesar de nunca referir esse facto em cartas ou diários. No entanto, devido à educação que recebeu, nunca deu grande importância a esse conhecimento. Não sabemos, e quase de certeza que isso nunca será descoberto, se o médico da corte o terá aconselhado a não seguir em frente com o casamento. Se um médico distinto que estivesse fora do circulo da corte eventualmente desejasse avisar Nicolau relativamente ao perigo da sua união, não creio que o tivesse conseguido, quer directamente, quer através da imprensa. Os reis são protegidos com muito cuidado das realidades desagradáveis. A hemofilia do czarevich foi um sintoma do divórcio entre a realeza e a realidade."


Nicolau II e Alexei
Tal como Haldane referiu, não existem provas de que Nicolau ou Alexandra alguma vez tivessem interpretado as leis da genética para determinar as suas próprias hipóteses de dar à luz um filho hemofílico. É quase certo que ambos tenham considerado que o mistério da doença, ou seja, quem seria afectado ou não, estava nas mãos de Deus. Também parece ter sido esta a atitude da rainha Vitória que, aparentemente, não compreendia o padrão hereditário da doença que se tinha espalhado a partir de si. Quando um dos seus netos morreu ainda criança, a rainha limitou-se a escrever: "a nossa família parece ser perseguida por esta doença horrível, a pior que conheço."

A rainha Vitória com a neta, a futura imperatriz Alexandra da Rússia
Alexandra estava rodeada de parentes hemofílicos antes de se casar, mas essa era uma realidade partilhada pela maioria das princesas europeias. A prole da rainha Vitória era de tal forma numerosa - nove filhos e trinta-e-quatro netos - que o gene defeituoso se espalhou por todos os cantos do continente. Quando se casavam e tinham filhos, os membros da realeza viam já a hemofilia como uma das doenças com as quais se iriam ter de preocupar, juntamente com a difteria, pneumonia, varíola e a escarlatina. Os príncipes reais, mesmo quando estavam destinados a herdar um trono, não excluíam uma possível candidata a noiva só por esta ter um historial de hemofilia na família. O príncipe Alberto Vítor de Inglaterra que, se tivesse vivido tempo suficiente,teria reinado em vez do seu irmão mais novo, Jorge V, tinha tentado casar-se com Alix antes de Nicolau a conquistar. Se esse casamento tivesse realmente acontecido, a hemofilia teria surgido na família real britânica. O kaiser Guilherme II estava rodeado de hemofilia por todos os lados. Tanto ele como os seus seis filhos escaparam, mas o seu tio e dois dos seus sobrinhos não tiveram a mesma sorte. O próprio kaiser tinha-se até apaixonado por Ella, irmã mais velha de Alexandra antes de ambos se casarem com outras pessoas. Se Ella se tivesse casado com Guilherme em vez de escolher o grão-duque Sérgio Alexandrovich, também é possível que tivessem dado à luz um herdeiro hemofílico.

Alexandra (2.ª da esquerda) com vários membros da família real britânica, incluindo o príncipe Alberto Vítor (1.º da esquerda). 
Naquela época, todas as famílias, incluindo as famílias reais, tinham vários filhos e era esperado que um ou mais perdessem a vida antes de chegar à idade adulta. A morte de uma criança nunca era uma experiência trivial, mas raramente significava mais do que uma interrupção temporária na rotina familiar. Apesar disso, no caso de Alexandra, só a ameaça de morte do seu filho mais novo levava tudo de si e colocou em causa o destino de toda uma dinastia.

Alexandra e Alexei

Texto retirado do livro "Nicholas & Alexandra" de Robert K. Massie.

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