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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O Último Inverno em Czarskoe Selo - Robert K. Massie (Última Parte)

Maria Nikolaevna
O governo imperial estava a desfazer-se e entre aqueles que observavam o processo com receio, estavam alguns que não eram russos. A guerra e a aliança tinham dado aos embaixadores da França e da Grã-Bretanha, Maurice Paléologue e Sir George Buchanan, posições de grande importância. Pelas duas embaixadas em Petrogrado e pelas secretárias dos dois embaixadores passavam questões importantes de fornecimento, munições e assuntos diplomáticos. À medida que se foi tornando claro que a crise interna da Rússia estava a afectar cada vez mais a sua capacidade como aliada militar, Buchanan e Paléologue viram-se numa situação delicada. Tendo obtido a confiança do czar, não tinham qualquer direito de falar sobre os assuntos que afectavam a política interna russa. Apesar de tudo, no inicio de 1917, ambos os embaixadores viram-se alvo de pedidos de todos os lados para que usassem o acesso que tinham ao czar para implorar que este escolhesse um governo aceitável para a Duma. Convictos de que não havia mais nada a fazer para salvar a Rússia como aliada, ambos concordaram. A tentativa de Paléologue, desfeita pela incerteza e cortesia de Nicolau, falhou completamente. A 12 de Janeiro, foi a vez de Buchanan ser recebido em Czarskoe Selo.

Maurice Paléologue

Sir George Buchanan era um diplomata de velha guarda, conhecido pela sua discrição, cabelo grisalho e monóculo. Sete anos de serviço na Rússia tinham-no deixado cansado e frágil, mas tinham-lhe garantido uma hoste de amigos e admiradores, incluindo o próprio czar. A única fraqueza que tinha na sua posição era o facto de não falar russo, o que não fazia diferença em Petrogrado onde todos aqueles que interessavam falavam francês ou inglês. Contudo, em 1916, quando Buchanan visitou Moscovo, onde se tornou cidadão honorário da cidade e recebeu um ícone e uma grande taça. “No coração da Rússia”, escreveu R. H. Bruse Lockhart, o cônsul britânico, que acompanhou Buchanan na sua visita, “tinha de dizer pelo menos uma ou duas palavras em russo. Tínhamos ensaiado cuidadosamente com o embaixador para que ele levantasse a taça e dissesse ao seu distinto público ‘Spasibo’, que é o termo mais curto na língua russa para dizer ‘obrigado’. Em vez disso, Sir George, com a voz firme, levantou a taça e disse ‘Za Pivo’, que, em russo significa ‘para cerveja’”.

George Buchanan

Em Czarskoe Selo, Buchanan ficou surpreendido por ser recebido pelo czar na sala de reuniões oficial e não no seu escritório, onde costumavam falar. Apesar de tudo, perguntou ao czar se podia falar honestamente e ele concordou. Buchanan foi directo ao assunto , dizendo a Nicolau que a Rússia precisava de um governo no qual a nação pudesse confiar. “Vossa Majestade, se me permite dizê-lo, tem apenas um caminho a seguir – nomeadamente quebrar a barreira que o separa do seu povo e reconquistar a sua confiança.”

Levantando-se e dando um olhar rígido a Buchanan, Nicolau perguntou: “Quer dizer que tenho de reconquistar a confiança do meu povo ou que eles precisam de ganhar a minha?”.
“Ambas as coisas, senhor,” respondeu Buchanan, “porque se não houver confiança mútua, a Rússia nunca vencerá esta guerra.”

O embaixador criticou Protopopov, “que, se Vossa Majestade me perdoar o facto de estar a dizer isto, está a levar a Rússia à ruína”.

“Fui eu que escolhi M. Protopopov”, disse Nicolau, “das filas da Duma para os agradar – e esta é a minha recompensa.”

Nicolau II
Buchanan avisou-o que a língua da revolução não estava a ser falada apenas em Petrogrado, mas por toda a Rússia, e que “no caso de haver uma revolução, só poderá contar com uma pequena parte do exército para defender a dinastia”. Depois concluiu com uma vaga de sentimentos íntimos:

“Sei bem que um embaixador não tem direito de usar a linguagem que usei com Vossa Majestade e tive de agarrar a minha coragem com ambas as mãos antes de falar da maneira que falei (…) [Mas] se visse um amigo meu a entrar num bosque numa noite escura ir um caminho que sabia que acabava num precipício, não seria meu dever, senhor, avisá-lo do perigo que corria? E não é da mesma forma meu dever avisar Vossa Majestade do abismo que está mesmo à vossa frente?”

O czar ficou comovido com o apelo de Buchanan e, quando ele se estava a ir embora, disse-lhe: “Agradeço-lhe, Sir George.” Contudo, a imperatriz ficou ofendida com a presunção de Buchanan. “O grão-duque Sérgio [Mikhailovich] disse que, se eu fosse um súbdito russo, teria sido mandado para a Sibéria”, escreveu ele mais tarde.

Nicolau II, Tatiana e Maria

Apesar de Rodzianko ter desdenhado a sugestão de Maria Pavlovna de “aniquilar” a imperatriz, concordava com a grã-duquesa na parte de que esta tinha de perder o seu poder político. No inicio do outono, quando Protopopov se tinha encontrado com ele e dito que o czar poderia vir a nomear o presidente da Duma para primeiro-ministro, Rodzianko tinha dito que uma das suas condições para aceitar o cargo era a de que “a imperatriz tem de abdicar de toda a sua influência nos assuntos de estado e permanecer em Livadia até ao fim da guerra.”. Agora, a meio do inverno, recebia uma visita do irmão mais novo do czar, o grão-duque Miguel Alexandrovich. Miguel, o bonito e amável “Misha”, estava a viver com a sua esposa, a condessa Brassova, em Gatchina, nos arredores da capital. Apesar de ser o próximo na linha de sucessão depois do czarevich, não tinha qualquer influência no irmão. Preocupado, e apercebendo-se do seu desamparo, perguntou-lhe como seria possível remediar aquela situação desesperada. Rodzianko voltou a declarar que “Alexandra Feodorovna é odiada ferozmente e por todos e todos os círculos pedem que seja retirada. Enquanto ela permanecer no poder, vamos continuar no nosso caminho para a destruição”. O grão-duque concordou com ele e implorou-lhe que fosse falar novamente com o czar. A 20 de Janeiro, Nicolau recebeu-o.

Miguel Alexandrovich com a sua esposa


“Vossa Majestade”, disse Rodzianko, “considero que o estado do país se tornou mais crítico e ameaçador do que nunca. O espirito de todas as pessoas é tal que podemos esperar as piores convulsões sociais (…) Toda a Rússia está unida na exigência de um novo governo e na nomeação de um primeiro-ministro responsável que possua a confiança da nação (…) Senhor, não resta um único homem honesto ou de confiança na sua comitiva; os melhores foram eliminados ou demitiram-se (…) É um segredo aberto que a imperatriz dá ordens sem o seu conhecimento, que os ministros lhe respondem a ela em assuntos de estado (…) A indignação e o ódio pela imperatriz estão a aumentar por todo o país. Ela é vista como uma protectora dos alemães. Até as pessoas mais comuns falam disso!”

Nicolau interrompeu-o: “Mostre-me factos. Não existem factos que comprovem as suas afirmações.”

“Não existem factos”, admitiu Rodzianko, “mas o tipo de política dirigida por Sua Majestade é uma prova destas ideias. Para salvar a sua família, Vossa Majestade tem de descobrir alguma forma de impedir a imperatriz de exercer qualquer influência na política (…) Vossa Majestade, não force o povo a escolher entre si e o bem do país.”

Nicolau e Alexandra
Nicolau segurou a cabeça entre as mãos. “Será possível”, perguntou ele, “que durante vinte e dois anos tenha dado o meu melhor e que durante vinte e dois anos tenha feito tudo mal?”

A pergunta era surpreendente. Estava muito além dos limites do adequado para que Rodzianko pudesse responder, contudo, compreendendo que a pergunta tinha sido feita de forma honesta, de homem para homem, o presidente reuniu toda a sua coragem e respondeu: “Sim, Vossa Majestade, durante vinte e dois anos seguiu o caminho errado.”

Um mês depois, a 23 de Fevereiro, Rodzianko viu Nicolau pela última vez. Desta vez, o czar mostrou uma atitude “certamente desagradável” e Rodzianko, por seu lado, foi honesto. Anunciando que a revolução estava iminente, declarou: “Considero meu dever, senhor, declarar-lhe a minha crença profunda de que este é o nosso último encontro formal.”
Nicolau não respondeu e Rodzianko foi dispensado pouco depois.

Nicolau e Alexandra
O aviso de Rodzianko foi dos últimos que Nicolau recebeu. Nicolau rejeitou-os a todos. Tinha jurado manter a autocracia e entrega-la intacta ao filho. Na sua cabeça, grão-duques citadinos, embaixadores estrangeiros e membros da Duma não representavam a opinião das massas de camponeses daquela que considerava ser a verdadeira Rússia. Acima de tudo, achava que ceder durante a guerra seria um sinal de fraqueza pessoal que apenas serviria para acelerar a revolução. Talvez quando a guerra terminasse tivesse mudado a autocracia e reconhecido o poder do governo. “Vou fazer tudo depois”, disse ele. “Mas não posso fazer nada neste momento. Não consigo fazer mais do que uma coisa ao mesmo tempo.”

Os ataques feitos à imperatriz e a sugestão de mandá-la para longe enfureciam-no. “A imperatriz é estrangeira”, afirmou ele ardentemente. “Não tem ninguém para a proteger a não ser eu próprio. Não a vou abandonar seja em que circunstância for. De qualquer forma, todas as acusações que lhe foram feitas são falsas. Estão a ser espalhadas mentiras cruéis sobre ela. Mas eu sei como vou fazer com que seja respeitada.”

Nicolau com os filhos e sobrinhos
No início de Março, depois de ter descansado dois meses com a família, o humor de Nicolau começou a melhorar. Estava confiante de que o exército, equipado com novas armas enviadas da Grã-Bretanha e de França, podia acabar com a guerra no final do ano. Queixando-se do “ar poluído” de Petrogrado, estava ansioso por voltar a Stavka para planear a ofensiva da Primavera.

Entretanto, Protopopov, que sentia uma crise aproximar-se, tentou disfarçar os seus medos recorrendo a medidas de contra-ataque. Foram chamados quatro regimentos de cavalaria da guarda imperial da frente de combate para Petrogrado e a polícia da cidade começou a treinar o uso de metralhadoras. A cavalaria nunca chegou. Em Stavka, o general Gurko ficou chocado com a ideia de virar os soldados contra as pessoas e ignorou a ordem. A 7 de Março, a véspera da partida de Nicolau para o quartel-general, Protopopov foi até ao palácio. Viu primeiro a imperatriz que lhe disse que o czar estava a insistir passar um mês na frente de batalha e que ela não conseguia fazê-lo mudar de ideias. Nicolau entrou no quarto e, levando Protopopov para um canto, disse-lhe que estaria de volta dentro de três semanas. Protopopov, agitado, disse-lhe: “Estamos em tal altura que a vossa presença é necessária tanto cá como lá (…) Temo muito pelas consequências”. Nicolau, afectado pelo alarme do seu ministro, prometeu que voltaria dentro de uma semana, se possível.

Nicolau II
Houve um momento, segundo Rodzianko, em que Nicolau esmoreceu na sua determinação de recusar a nomeação de um governo responsável. Na noite antes da sua partida, o czar convocou vários ministros, incluindo o príncipe Golitsyn e o primeiro-ministro e anunciou que pretendia ir à Duma no dia seguinte e anunciar pessoalmente a nomeação de um novo governo. Nessa mesma noite, Golitsyn foi convocado novamente e soube que o czar estava de partida para o quartel-general.

“Como é que isso é possível, Vossa Majestade?” Perguntou Golitsyn espantado. “Então e o governo responsável? Queria ir à Duma amanhã!”

“Mudei de ideias”, disse Nicolau. “Vou partir para Stavka esta noite.”

Esta conversa aconteceu na quarta-feira, 7 de Março de 1917. Cinco dias depois, na segunda-feira dia 12 de Março, o governo imperial caiu em Petrogrado.





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